Insensibilidade ou preconceito?

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Mulher que poderá ter alimentação cortada está em coma há mais de 16 anos.'É aplicação de eutanásia', disse um monsenhor da Pontifícia Academia pela Vida.

O Vaticano condenou como uma forma de eutanásia a decisão da justiça italiana de permitir que seja interrompida a alimentação de uma mulher em coma há mais de 16 anos.

Comentários

Á Igreja católica sempre se preocupou demais com a "vida" vegetativa dos embriões e das pessoas em coma irreversível e de menos com a vida das pessoas conscientes!
e-pá! disse…
ALGUMAS INQUIETAÇÕES SOBRE A EUTANÁSIA…

A eutanásia (significa: boa morte) não é como se quer fazer parecer um problema dos tempos actuais onde se pretende abreviar vidas que se tornaram incómodas ou intoleráveis, às famílias, às instituições, ou numa matriz mais economicista. aos custos que representa para o Estado.

Todavia, a eutanásia não é um problema novo. è um problema que acompanha o homem desde a Antiguidade. Alguns povos, p. exº., comunidades pré-celtas e celtas, os filhos "matavam" os seus pais quando estes estivessem muito velhos e doentes. Esta é a nossa matriz sociológica de parte importante deste País.
Mais longe, no Oriente, os indianos, atiravam os doentes incuráveis eram atirados ao rio Ganges, Os birmaneses enterravam vivos idosos e enfermos graves, etc.
Na Grécia antiga, por exemplo, Platão, Sócrates e Epicuro discutiram acaloradamente os terríveis sofrimentos de doenças. Consideraram esta situação como justificativa do suicídio.

Recentemente, a eutanásia sofreu uma enorme perversão. Foi com o regime nazi. Confundiu-se, propositadamente, o holocausto - técnica aberrante e etnicamente selectiva de eliminação de seres humanos com eutanásia. Nada mais perverso.
Esta imagem, falsa, de certo modo passou, e acabou por influenciar os espíritos até aos nossos dias.
Apesar disso, não deixamos de observar - como por exemplo na ex-Jugoslávia - "programas" de limpeza étnica, baseados não no sofrimento individual incoercível e intolerável, mas no domínio político étnico ou religioso.
Todos nós, assistimos, impotentes e angustiados, ao drama do cidadão espanhol Ramón Sampedro até ao seu desenlace. Perante isso, só tivemos capacidade de proferir declarações de circunstâncias, altamente condenatórias, sem conteúdo deontológico ou social. Hipocrisias do Mundo de hoje.

Quer a eutanásia activa, quer a ortotanásia já não são assim tão raras no nosso Mundo:
Holanda, Bélgica, EUA (Estado de Oregon (morte assistida), Alemanha e França (ortotanásia).
Quanto às religiões:
O budismo tolera-a, o islamismo proibe-a, o judaísmo é contra e o cristianismo condena-a e reafirmou essa posição recentemente, à luz da nova doutrina do Vaticano II.
Todavia, a Biblia relatará o primeiro episódio de eutanásia circunstancialmente descrito: a morte do rei Saul, de Israel, que, ferido na batalha, se lançara sobre a sua espada, sem morrer, quando solicitou que um amalicita (árabe descendente de Amalec) lhe tirasse a vida.
Quanto à medicina há o grande obstáculo hipocrático que reza: "“A ninguém darei, para agradar, remédio mortal, nem conselho que o induza a perdição”.
Todavia tem havido algumas considerações sobre este tema que considero interessantes. Uma delaas do famoso cirugião sul-africano Christian Barnard que afrimou:
"“o principal objetivo da medicina é o de aliviar o sofrimento, não o de prolongar a vida”.
Acrescentou, ainda: “Meu conceito de medicina é de que os médicos dêem aos seus pacientes uma vida boa. E a morte é parte da vida. Se não podemos dar-lhes vida, que lhes demos uma boa morte”.
Mais controverso é o chamado "Dr. Morte" Jack Kevorkian, que criou uma máquina que ajudava as pessoas a se suicidarem...

Finalmente, é um assunto que divide a sociedade. Fracturante. Neste momento, devemos reconhecer que prevalecem os argumentos “contra” a Eutanásia, que vão desde os religiosos, éticos até os políticos e sociais.
Não posso deixar de citar a concepção de Débora Diniz, que afirma: "Eutanásia não é assassinato. Viver é sempre fazer escolhas, inclusive a escolha de decidir morrer”.

Mas, pessoalmente, mantenho imensas questões sobre este tema e julgo que não estamos perto do mínimo consenso que permita avançar.
Não deve é ser um assunto tabu. Está, hoje, na ordem do dia e os cidadãos devem discuti-lo.
O pior que pode suceder são posições religiosas, plenas de justificações ortodoxas, onde a frase dominante é: "a vida não se discute".
Entretanto o Mundo está incendiado de múltiplas guerras regionais que ceifam milhões de vidas (válidas, activas, produtivas e reprodutivas). Daquelas que, as declarações dos direitos do Homem, lhe conferem o direito a uma boa vida.

Entretanto, deitamo-nos com a consciência sossegada porque estes problemas são “lá longe” e, sem eutanásia (ou com ela), são entes que se vão libertando da lei da morte, ou da ignomínia, certamente.

Declaração de interesses:

A minha condição de médico condiciona-me, por ora, uma discussão mais aberta e mais participativa.
Um dia que este assunto esteja na agenda dos problemas nacionais, sinto que terei a liberdade de participar como cidadão. Isto é, com todos os direitos e gozando de toda a liberdade de expressão.
Nota: esta é uma auto-limitação que imponho a mim próprio. Só isso!
andrepereira disse…
Um erro grande do membro do Vaticano. A abstenção de tratamento não se confunde com a eutanásia...

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