O que vai perdurar no Egipto?

O 'sequestro da democracia' por parte da Irmandade Muçulmana, após a eleição de Morsi, pode ser encarado como a repetição de um processo ‘dejá vue’, há dois decénios, na Argélia. Em certa medida existe um inultrapassável paralelismo entre as recentes evoluções políticas no Egipto, decorrentes à volta da Irmandade Muçulmana e a situação vivida pela Frente Islâmica de Salvação em 1991-92, na sequência da vitória das eleições locais argelinas (1991), deixando pendente a ameaça de vencer as gerais no ano seguinte.

Na Argélia, o processo de ‘anulação’ da tomada do poder por forças fundamentalistas muçulmanas envolveu as Forças Armadas e que o então presidente Chadli Bendjedid, foi a sua face visível, apresenta um distanciamento histórico que torna os actuais desenvolvimentos no Cairo absolutamente previsíveis.

No Egipto a situação é de todo semelhante embora tenham decorridos factos novos, entre eles: a designada ‘primavera árabe’ que tentou varrer os ‘arranjos’ pós-coloniais em todo o Norte de África e as mudanças geoestratégias operadas nos últimos 20 anos mais uma vez centralizadas pela queda do muro de Berlim. Estes factos novos ‘justificam’ o forte envolvimento dos EUA em todo este processo de mudança. As potências coloniais europeias perdem toda a sua capacidade de influência, seja individualmente, quer através da UE, entidade totalmente incapaz de desenhar uma política externa coesa e influente no plano internacional.

Os EUA pressionaram de modo intenso a queda de Mubarak mas não hoje perfeitamente é liquido o que de novo previam para o 'novo' Egipto. Nada previa que os movimentos laicos dispersos e fragmentados pudessem, face a uma Irmandade Muçulmana organizada e há largas dezenas de anos instalada no terreno, pudessem a vir a governar ao Egipto pós-Mubarak. Aliás, uma das forças que emergiu na sequência da revolta da praça de Tahir e que nas posteriores eleições enfrentou o candidato Morsi agrupou os egípcios à volta do marechal Ahmed Shafiq, um militar oriundo da Força Área, ex-primeiro-ministro do regime do derrubado Mubarak na sua fase de estertor. Existiam assim no terreno duas grandes forças em conflito: A Irmandade Muçulmana e um movimento ‘neo-mubarakista’ encabeçado por militares (no vaso vertente Shafiq). 
Morsi vence as eleições mas comete uma série de erros políticos e constitucionais que lançam o País num profundo confronto que tem o seu epílogo em Dezembro de 2012 com a realização de um referendo sobre um projecto constitucional instituindo na prática um regime islâmico, inaceitável para os sectores liberais. 
As Forças Armadas vêm na nova constituição uma ameaça aos seus ancestrais privilégios (políticos e económicos) e ‘alinham’ ao lado das reivindicações dos sectores liberais que, em 30 de Junho 2013, organizam uma impressionante manifestação anti-Morsi, fornecendo o pretexto (alibi) para os militares regressarem à política.

Daqui para a frente tudo deverá ser decalcado da Argélia. Segue-se a ilegalização do Irmandade Muçulmana, o seu enfraquecimento, posteriores acordos de paz com líderes muçulmanos manietados, o afastamento das correntes liberais da área do poder (a demissão de ElBaradei é o primeiro indício) e daqui a uns anos (mais ou menos uma dezena) a eleição ‘consensual’ (quase unânime) de um caudilho militar como presidente (não necessariamente o general Sisi).

Entretanto, sob a inépcia da batuta americana, o norte de África vai ter de esperar dezenas de anos para libertar-se das fundamentalistas peias islâmicas e o interregno militarista assente nos privilégios e na corrupção, embora com caras novas , perdurará por largos anos.

O Egipto não vai beneficiar tão cedo do derrube de regime despótico de Hosni Mubarak.

São os condicionalismos da História onde os erros custam caro e as indecisões são fatais (para os povos).

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Divagando sobre barretes e 'experiências'…

26 de agosto – efemérides