As eleições gregas e o BCE: “First we take Manhattan, then we take Berlin”…


As eleições legislativas que decorrerão amanhã na Grécia são um severo e decisivo teste às ‘soluções europeias’ face à crise financeira que varre o Mundo desde 2008. Originária em Wall Street essa proteiforme crise atingiu duramente a Europa, nomeadamente os países periféricos, cuja debilidade económica e social, bem como descontrolos orçamentais, os tornou uma presa fácil do financeirismo internacional.
 
A ‘crise’ subsidiária de actividades especulativas dos mercados que grassavam pelo sector financeiro mundial, nomeadamente o bancário (bancos de investimento), foi um descalabro que rapidamente atingiu transversalmente a economia real traduzindo-se numa catadupa de falências de empresas, profundos cortes salariais e despedimentos em massa. Instalou-se a recessão.
Simultaneamente, os ‘investidores’ resolvem, face aos défices de liquidez, pressionar estes mesmos países agitando a ‘crise das dívidas’ ponto vulnerável dessas debilitadas economias. Na periferia da Europa o festim foi grandioso.
 
Na verdade, na Europa do Sul para animar o desenvolvimento e caminhar no sentido da coesão (social e económica) socorreu-se do investimento público para atingir patamares de desenvolvimento. A resposta inicial face ao anúncio da crise foi ‘keynesiana’ com o intuito de travar a esperada recessão mas a breve trecho o poder político europeu, a reboque do contexto global, enveredou por um caminho neoliberal com todo o cortejo de consequências: austeridade, empobrecimento, as ditas ‘reformas estruturais’ (que mais não são do que uma tentativa de consolidação das medidas austeritárias) e a completa submissão aos mercados financeiros.
 
A circunstância de alguns dos países periféricos terem, na resposta inicial às ameaças da crise (recessão e desemprego), optado por acentuar o investimento público viria de imediato evidenciar graves desregulações orçamentais (absolutamente planeadas como uma resposta) e geraram um aumento das dívidas públicas (soberanas) e foi por esse caminho que os ‘mercados financeiros’ resolveram atacar.
 
O problema da dívida (existente de facto em termos de facto e nominais) deu azo à imposição e à justificação (o tal ‘viver acima das possibilidades’) de duras políticas de austeridade como um instrumento de controlo dos deficites orçamentais e supostamente das dívidas públicas. 
Ao fim de um longo período de execução (a história das crises financeiras era no sentido de uma curta duração embora os efeitos fossem visíveis a médio-prazo) os equilíbrios orçamentais foram discretos (e objecto de acertos e postergações tal era o seu irrealismo), pelo caminho submergiram as ‘conquistas’ do Estado Social (considerado ‘luxuoso’ e ‘perdulário’) e as dívidas galgaram os ratios em relação ao PIB, tornando-as insustentáveis (e ‘impagáveis’). 
Ao fim e ao cabo a resposta austeritária desenhada e ditada pelos mercados e seguida pela Europa revelou-se pródiga no que respeita a sacrifícios e parca (para não dizer desastrosa) em resultados.
A par da austeridade a questão da dívida foi sendo protelada sob os mais variedados pretextos, um deles obscenamente desafiador da inteligência e compreensão humana, i.e., tentou ‘vender’ a ideia de que da austeridade (do empobrecimento brutal) ‘nasceria’ o crescimento económico que aprioristicamente foi apodado de ‘saudável’ e ‘sustentável’. Na realidade, todos os ajustamentos, todas as intervenções externas não pararam de fazer aumentar a dívida pública e, por essa via, condicionar o crescimento económico. 

Tentou-se - até as eleições gregas - esconder que a austeridade estava ligada à recessão e, pior, camuflar um dos objectivos de sempre, i. e., continuarem os países em recessão e fustigados pela deflação a pagar, com língua de palmo, juros usurários aos ditos mercados. 
É neste ponto que estamos. Manter como uma ‘vaca sagrada’ o cumprimento do ‘serviço da dívida’, tal como os mercados exigem, pagando religiosamente juros cujas taxas estão sujeitas a flutuações de contexto decididas não se sabe quando e por quem. Ninguém quer falar da reversão (devolução) do capital emprestado porque toda a gente já se apercebeu dessa impossibilidade. Aliás, os investidores estão manifestamente interessados que os países periféricos mantenham ad eternum o estatuto de ‘devedores’ e reservam para eles próprios os benefícios de perenes ‘credores’. Enquanto esta situação durar os mercados financeiros continuarão a demonstrar confiança nas políticas que têm sido implementadas pela clique neoliberal europeia e estarão disponíveis para financiar as (suas) políticas e os seus desvarios.

As recentes medidas de intervenção advindas do BCE poderão favorecer o alongamento da actual situação de transferências de dinheiro dos cidadãos para os mercados sem resolverem a essência dos problemas. Isto é, com a compra de dívida nos mercados secundários que o banco central vai praticar permitirá utilizar metodologias de emissão de dívida (supostamente a juros mais suaves) para liquidar empréstimos antigos à custa de contracção de novas dívidas. Esta a táctica de manutenção de uma espada de Damocles sobre os países periféricos. 
Deste modo a reestruturação da dívida – uma inevitabilidade segundo a maioria dos economistas - poderá estar a ser adiada e substituída pelo seu ‘rolling over’ empurrando-a com o umbigo em direcção ao precipício, com os acrescidos e permanentes riscos de imparidades que este método acarreta. Este risco é muito visível em muitas das declarações que responsáveis europeus tecem sobre as eleições gregas. Mas toda a gente já percebeu que o tabu da dívida poderá cair estrondosamente no domingo em Atenas.

Aliás, o repisando este assunto, existe uma pergunta premente e nunca equacionada ou sequer respondida: 
- Porque razão o ‘quantitative easing’ não foi adoptado pelo BCE quando os mercados fabricaram a crise das dívidas públicas e se resolveu lançar os países em dificuldades na arena da austeridade e do empobrecimento?  
Ao que tudo indica não haveria então – como parece não existir no presente – qualquer impedimento nos tratados da União Europeia. Logo, as razões foram eminentemente políticas e esconderam por detrás de obscuros interesses financeiros apresentados sob a capa de moralista da ‘honra dos compromissos’.
Na realidade, nada do que o BCE promete e ameaça fazer será executado contra os mercados. É, portanto, de supor que as recentes medidas sejam absorvidas pelo sistema financeiro para substituir velhas ‘bolhas’, por outras, devidamente recauchutadas e deste modo consolidar o domínio do monetarismo sobre a componente política. Esta via compromete de maneira directa e brutal os actuais conceitos de soberania e as práticas democráticas que (ainda) nos regem. 

Foi por essa razão, ou por entender essas motivações, que o comício do Syriza no encerramento da campanha eleitoral em Atenas se cantou bem alto algo que revestindo-se de imenso significado sistematiza este percurso crítico. Quando em uníssono no comício de Atenas se trauteou “First we take Manhattan, then we take Berlin”, uma misteriosa canção de Leonard Cohen difícil de enquadrar no tempo e no espaço, os gregos sabiam - por um saber de experiência feito - porque o fizeram…

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