O cartão de cidadão, o Bloco de Esquerda e a igualdade de género


A luta pela igualdade de género é uma obrigação que não permite pausas. Sabemos o que foi a violência a que as mulheres estiveram submetidas ao longo dos séculos, por estereótipos tribais de natureza patriarcal, violência longe de erradicar.

Exatamente por ser tão sério o problema da discriminação, não podemos permitir que as boas intenções se prestem ao ridículo ou assumam o carácter agressivo que afaste quem é solidário com a causa, uma exigência da cidadania, da ética e do direito.

O desejo de substituir a designação de “Cartão de Cidadão” por “Cartão de Cidadania” não acrescenta direitos à mulher nem traz benefícios para a igualdade de género. É mera manifestação de ruído sem conteúdo, uma exibição gratuita de criatividade.

A cidadania é o exercício dos direitos e deveres civis, políticos e sociais estabelecidos na Constituição de um país, não é um carimbo no cartão de identidade, referente a uma qualidade, de cidadão e de cidadã, indiferente ao género.

Por melhor que tenha sido a intenção, a ideia é tão estranha como a de retirar a menção do sexo no referido cartão, apesar de, neste caso, haver situações dilacerantes.

Esta ideia lembra a do líder do PSD Luís Marques Guedes, em junho de 2006, quando, com os deputados Montalvão Machado e Ana Manso, apresentou na AR um projeto de resolução que visava instituir um «dia nacional do cão». O ridículo só foi evitado pelas gargalhadas ouvidas em todas as bancadas!

Comentários

e-pá! disse…
A proposta do BE é uma reacção política estereotipada sobre questões de género que, como todos sabemos, ainda afligem o nosso País. Não existem sociedades perfeitas e ninguém pode arvorar-se como tutor da igualdade absoluta.
Muito menos voluntariosos 'partisans' de agendamentos abruptos à volta de causas (históricas da Humanidade) que, em determinados momentos políticos, são manifestamente acessórias, correndo o risco de ter efeitos opostos, por perda de objectividade e se apresentarem como maçadoras, repetitivas e pouco inteligíveis.

Na nossa estrutura gramatical não possuímos o neutro. Daí a ter entrado em uso o ‘masculino universal’ que é de facto um falso neutro.
Não é preciso invocar a tradição como uma barreira hermética e intocável para manter o dito ‘masculino universal’. Mais do que a tradição tem valor e deve ser protegido a compreensão e a inteligibilidade que o uso da linguagem permite e fomenta nas relações entre os seres humanos.
A linguagem é o suporte material com que expressamos ideias que muitas vezes não são masculinas, nem femininas, nem sequer neutras, mas simplesmente carinhosas, afectivas, valiosas, gloriosas e outas vezes violentas, absurdas e negativas (só para usar expressões do género feminino).

Penso que ninguém considera que a Declaração Universal dos Direitos do Homem adoptada em 10 de Dezembro 1948 pela Nações Unidas como um documento sexista ou discriminatório só pelo seu título ('Direitos do Homem'), quando verifica que o artº.7º refere explicitamente: “Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual protecção da lei. Todos têm direito a protecção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação”.

Existem paralelamente questões de comportamento social, ainda não resolvidas, mas que não devem ser objecto de atropelamento por uma agenda abstrata.
Vivemos durante muitos séculos numa sociedade com marcadas características androcêntricas. É uma circunstância inegável. Esse facto tem introduzido progressivamente a necessidade de nomeação e de especificação dos diferentes géneros. E cada vez mais se usam estas distinções de género por questões de visibilidade social, de trabalho, de direitos, de deveres, logo, entraram na rotina cultural da Época Contemporânea.

A questão é fundamentalmente a igualdade de género que foi conquistada a partir da equidade de direitos e deveres.
Essa igualdade deve muito - em Portugal - às lutas laborais, ao anarco-sindicalismo e aos ideais republicanos. Por exemplo, a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, fundada em 1909, não foi uma excrescência machista.

O problema não é semântico. E se acaso o fosse deveria ser tratado não em sede política mas no âmbito de um acordo ortográfico onde o neutro e o genérico adquirissem outro papel, relevância e função.

As primeiras manifestações, ditas feministas, remontam ao séc. XIX e diziam respeito ao combate contra as diferenças contratuais, a diferença na capacidade de conquistar propriedades e contra os casamentos arranjados que ignoravam os direitos de escolha e os sentimentos das mulheres.
De então até agora o caminho (muitas vezes dramático, duro e outras pejado de violência) tem sido feito. Porque estamos perante a normal evolução das sociedades no combate aos arbítrios. Não só os de género, mas de todos. E para isso mais do que um cartão precisamos de uma atitude cidadã (fica aqui no feminino para não escandalizar).
Bom post. Devia passar para o outro lado.
Manuel Galvão disse…
O Porto de Lisboa está a usurpar o nome da capital do norte. Lisboa devia ser processada por isso...

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