Os cartazes do Bloco de Esquerda (BE)


Os cartazes do BE não são felizes nem originais, mas, em vez de se discutir o bom ou o mau gosto, é a liberdade que se contesta.

Não são felizes, por trazerem ruído e virem perturbar o debate sobre a eutanásia, que se quer sereno; e não são originais, porque ‘Jesus tem dois pais’ é o slogan do movimento internacional cristão pela igualdade, deixando implícita a aceitação do mito, herdado de outros deuses, sobre a virgindade da mãe de Jesus, a crença pueril que Pio IX converteu em dogma; mas o que está em causa é a liberdade de expressão, conquista irrenunciável perante quem se sente ofendido. Seria horrível viver num país onde fossem proibidos os cartazes ou o direito ao protesto de bispos e crentes.

Grave é a convergência de partidos políticos, da Conferência Episcopal, do patriarca de Lisboa e de outros grupos da Igreja católica numa petição para a “retirada dos cartazes blasfemos e ofensivos”, num apelo à censura. A blasfémia é um crime medieval, do foro da Inquisição, que não pode estar sujeito aos humores do clero e às sanções penais.

A liberdade de expressão existe para se poder dizer publicamente o que desagrada e não para se dizer o que é consensual. A Igreja ofendeu-se mais com Giordano Bruno do que com o BE, mas custou demasiado sangue evitar a reincidência no método de dissuasão.

Umberto Eco entendia que “se os católicos se ofendem por lhes ofenderem a Virgem, devem respeitar-se os seus sentimentos e pode sempre escrever-se um ensaio histórico sensato que ponha em causa a reencarnação, e se os católicos dispararem sobre quem ofenda a Virgem [então] combatam-nos por todos os meios.”

Apesar do respeito pela dimensão cultural, ética e intelectual do notável pensador, não o acompanho, porque é difícil perceber, numa sociedade pluriétnica, como a europeia, que valores de uns não ofendem outros, e só há uma forma de manter a paz – a exigência de respeito pela laicidade.

Hoje, os católicos ofendem-se com a troça à virgindade da mãe do seu Deus e, ainda há poucos anos se ofendiam com o planeamento familiar, o uso da pílula, o casamento gay ou a IVG. Nunca se sabe o que ofende ou não os crentes de cada religião.

Em nome da liberdade e, sobretudo, da civilização, é um dever combater a lapidação de adúlteras, o esclavagismo, a desigualdade de género, a excisão do clitóris, a decapitação de infiéis, a moral herdada da Idade do Bronze e todas as formas de superstição que nos envenenam.  Exige-se respeito pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e não se podem aceitar limitações à liberdade de expressão que excedam as do Código Penal e, mesmo essas, desejavelmente, cada vez mais brandas e escassas.

Censura, Não! Obrigado.

Ponte Europa / Sorumbático

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