Graças a Deus…
Conheci a resignação cristã que moldava a gente pobre das aldeias da minha meninice e a resignação com que suportava a adversidade. Dava graças a Deus pelo pouco bem que lhe cabia e por não ter sido pior o mal que acontecia.
Se alguém partisse um braço benziam-se as pessoas por não terem
sido os dois; se acaso ficasse estropiado por ter sobrevivido; até na morte,
por não ter ficado desfigurado. Graças a Deus!
O que não esperava era ouvir o provedor da Santa Casa da
Misericórdia de Mirandela a agradecer, neste caso, aos bombeiros, por não ser
pior a tragédia que matara seis idosos, três carbonizados e igual número de asfixiados,
e fizera 25 feridos.
Que raio de país é este onde, num lar com 89 velhos, os
alarmes, detetores de fumo, não funcionaram, os vizinhos que acorreram usaram
os três extintores de incêndios e só um funcionou e os empregados eram
insuficientes?
É esta resignação, esta incúria assassina que sete décadas
depois sobrevive, não numa aldeia beirã onde a fé mitigava a fome e o sofrimento,
mas numa cidade onde os velhos aguardam a morte.
Mas a indignação deste país de emigrantes canalizou-se para os
estrangeiros pobres que vêm à procura de emprego e que cuidam de nós nas tarefas
que os portugueses recusam. E, na alegada brandura dos nossos costumes, substituímos
a revolta pela lamúria.
Graças a Deus!

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