A Justiça e a democracia

A condenação de Marine Le Pen, com tamanha evidência do desvio de fundos europeus para o partido, é uma vitória da Justiça e da democracia que deve alegrar os democratas, mas não está garantido que em França, como um pouco por todo o mundo, o eleitorado seja sensível à ética e ao Estado de Direito.

A perversão da judicialização da política e a politização da Justiça são riscos que ferem a democracia. Freitas do Amaral, referindo-se à destruição da democracia-cristã italiana, por juízes corajosos, lastimou o efeito secundário, a substituição dos seus líderes por um político como Berlusconi. Hoje, eu acrescentaria Meloni e Salvini.

Se, no caso de Marine Le Pen, não é legítimo duvidar do veredicto, na Roménia fica a dúvida sobre a solidez da acusação. É suspeita a anulação das eleições e a inibição de o candidato mais votado poder disputar a segunda volta por alegado apoio, através das redes socais, do suspeito do costume, a Rússia. E se fosse pelos EUA? É percetível a instrumentalização política do Supremo Tribunal romeno.

Mas, de todos os casos em curso, o da Turquia, um país da Nato e alegada democracia-islâmica, como se o substantivo e o adjetivo não se excluíssem, é o mais dramático e o mais assustador.

Erdoğan, perpetuou-se no poder, reislamizou o País, decapitou as Forças Armadas e a magistratura, defensoras da Constituição laica, e continua a perseguir os curdos perante o silêncio cúmplice da UE e da Nato.

É cada vez mais evidente que a Turquia, com o maior exército da Nato, fora dos EUA, é uma ameaça. Para além de ocupar ilegalmente parte do Chipre, é a principal responsável pela chegada ao poder na Síria de um terrorista da Al Qaeda, e ocupa parte do território onde vivem os curdos que persegue dentro e fora das fronteiras turcas.

A recente prisão do presidente da câmara de Istambul, Ekrem Imamoglu, o adversário político principal de Erdoğan, é talvez o último e decisivo confronto entre a democracia e a teocracia numa Turquia com ambições de restaurar o califado otomano.

Com a velha Europa a hesitar entre a defesa da democracia e a contemporização com as ditaduras, teme-se que estas últimas voltem a ser a norma.

É preocupante que o veredicto dos Tribunais se substitua ao sufrágio popular ou sirva para o anular. É sempre um caminho perigoso e contraproducente, em França e no resto do mundo. 


 



 

 

Comentários

Carlos Antunes disse…
Condamnation de Marine Le Pen:
https://www.francetvinfo.fr/politique

Le Kremlin déplore une "violation des normes démocratiques"
"De plus en plus de capitales européennes empruntent la voie de la violation des normes démocratiques", a déclaré le porte-parole du Kremlin, Dmitri Peskov, lors de son briefing quotidien. Il répondait à une question sur la condamnation de Marine Le Pen.

Viktor Orban - "Je suis Marine"
Le Premier ministre hongrois Viktor Orban a également réagi sur le réseau social X, avec le mot-clé "Je suis Marine".

Matteo Salvini - "Déclaration de guerre de Bruxelles"
Le vice-Premier ministre italien Matteo Salvini a, lui aussi, réagi : il fustigé une "déclaration de guerre" de la part de Bruxelles", aux sources selon lui de la condamnation de Marine Le Pen. "Qui craint le jugement des électeurs souvent se rassure par le jugement des tribunaux. A Paris, ils ont condamné Marine Le Pen et ils voudraient l'exclure de la vie politique. Un mauvais film que nous voyons aussi dans d'autres pays comme la Roumanie", a déclaré Matteo Salvini, chef de la Ligue, parti d'extrême droite italien, dans un communiqué.

Elon Musk dénonce un "abus du système judiciaire"
"Lorsque la gauche radicale ne peut pas gagner par le biais d'un vote démocratique, elle abuse du système judiciaire pour emprisonner ses opposants. C'est son mode opératoire à travers le monde", écrit Elon Musk sur son réseau social X. "Il y aura un retour de bâton, comme avec les attaques judiciaires menées contre le président Trump", ajoute-t-il dans un autre post.

Um espelho (indignados com o veredito do tribunal francês na condenação de Marine Le Pen, eles que são pródigos nos seus países em não respeitar o poder judicial e a separação de poderes) da aliança entre Putin, Trump e a extrema-direita europeia e mundial, como foi evidenciado por Garry Kasparov (Expresso Revista, 27 março 2025):
“Putin está mais confortável com Donald Trump na presidência dos EUA?
Durante as reuniões na Arábia Saudita [entre representantes de EUA e Rússia], Trump passou a ideia de fazer concessões sem exigir nada a Putin. J. D. Vance [vice-presidente dos EUA] e o [magnata] Elon Musk apoiam abertamente a direita e até partidos fascistas. Toda a gente está a olhar para a Alemanha, mas há também o que se passa na Roménia. Elon Musk apoia abertamente, e Trump está a pressionar os romenos para apoiarem Călin Georgescu... Na AfD [partido da extrema-direita alemã] ainda podemos admitir que há alguns liberais, uma líder lésbica, com namorada do Sri Lanka e filhos adotados e que admira Margaret Thatcher... OK, é uma máscara, mas ainda assim há o esforço para pôr a máscara. Călin Georgescu nem sequer usa máscara. É assumidamente fascista; é pago pela Rússia e quer tirar a Roménia da UE. E Musk tem-no apoiado enquanto defende a soberania da Roménia. Há apoio assumido [dos novos dirigentes dos EUA] aos partidos extremistas de direita, que não escondem que têm, na agenda, a destruição da Europa. Sem dúvida que isto é um sucesso para Putin.”

E, xeque mate, Kasparov afirma que contra esta aliança Putin/Trump “A Europa tem de tomar decisões. Ou faz algo ou morre; ou faz História ou acaba no caixote do lixo da História”.

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