O Ministério Público (MP) e a Justiça

Entendamo-nos, são os juízes que julgam e fazem jurisprudência. O Ministério Público é o órgão constitucional que exerce a ação penal, responsável pela defesa da legalidade democrática e dos interesses que a lei determinar.

É no MP que tem residido o principal problema, quer na violação do segredo de Justiça, quer na incapacidade de evitar o julgamento de presumíveis culpados na praça pública.

É confrangedor ver o número de destacados políticos acossados e descredibilizados nos média ao longo dos anos e assistir à absolvição, arquivo por falta de provas ou, pior, às acusações improcedentes por confusão entre os atos legítimos do exercício de funções e as suspeitas sobre os mesmos. Exemplo, a constituição de uma autarca por nomeação do chefe de gabinete sem concurso público, como se o ato devesse ser sindicado pelo MP.

É um péssimo serviço à democracia aceitar que o presidente do Governo Regional da Madeira ainda não tenha sido ouvido pelo MP depois de ter enviado 50 inspetores da PJ a investigar os seus alegados atos de corrupção e de ter sido constituído arguido.

E que dizer de um primeiro-ministro que se demitiu por um parágrafo assassino da PGR sem que o país saiba qual era a suspeita sobre ele? Que país se conforma com escutas a um ministro durante 4 anos e que, um ano depois do intolerável abuso, ainda não tenha sequer sido ouvido? É o caso de João Galamba.

Ninguém se indigna com o exótico sindicato de magistrados do Ministério Público que se tornou um instrumento de pressão para a nomeação do chefe dos seus membros?

É assim que as suspeitas, certamente infundadas, têm crescido na opinião pública sobre os últimos titulares do MP oriundos da corporação:

A PGR Joana Marques Vidal foi rápida a arquivar dois processos melindrosos, o dos Submarinos averiguado na Alemanha, e o da Tecnoforma cuja devolução dos fundos tinha sido pedida pela UE, ficando a suspeita de que Paulo Portas e Passos Coelho, respetivamente, tivessem sido inocentados.

No entanto, a PGR Lucília Gago foi indiferente a simples rumores sobre políticos cujos processos ainda se mantêm em averiguação, sendo os mais clamorosos os de António Costa e Miguel Albuquerque.

Há seis meses, Montenegro, aproveitando o descrédito do PR, impôs-lhe o nome de um respeitado magistrado do MP, na reforma e a pouco tempo do limite de idade, deixando-o vulnerável às suspeitas de uma escolha individual. Oriundo do MP, claro!

Seis meses depois da posse do PGR Amadeu Guerra, ainda se encontram sob suspeita António Costa, Miguel Albuquerque, António Costa Silva, João Galamba e outros sem que, à exceção de Miguel Albuquerque, algum deles tenha sido constituído arguido ou sequer se saiba de que são suspeitos.

Este poder do MP tem contribuído para o descrédito da Justiça e aviltamento da política.   

Comentários

Carlos Antunes disse…
Carlos Esperança
Estou inteiramente de acordo com a sua opinião.
O problema do Ministério Público é que com a “lei Almeida Santos” (o grande legislador do Portugal democrático no domínio da justiça) que sistematizou o estatuto do Ministério Público pós-25 Abril, em que com a preocupação política de operar um corte com o sistema vigente durante o regime anterior e a despeito de a Constituição a consagrar como uma magistratura hierarquicamente subordinada ao PGR (art.º 219.º/4 da CRP), resolveu atribuir aos magistrados do MP uma autonomia funcional, segundo a qual apenas estão vinculados ao cumprimento da Constituição e da Lei, não estando, pois, vinculados a nenhum poder, nem ao poder executivo, nem mesmo ao PGR, tendo os seus agentes (também eles magistrados) direitos e deveres equivalentes aos dos juízes, especificidades de um modelo do MP que não existem em mais nenhum país europeu. Ao que parece AS procurou fazer uma síntese entre as concepções francesa (organização hierárquica) e italiana (autonomia), que como todos os regimes híbridos não tem tido grandes resultados.
Não foi por acaso que o ex-PGR Pinto Monteiro afirmou que relativamente aos procuradores se sentia como tendo “os poderes da Rainha da Inglaterra” e que o "o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público era um mero lobby de interesses pessoais que pretende actuar como um partido político".
Palavras certeiras do falecido Pinto Monteiro sobre a actuação do MP, em que ao invés do papel fundamental na defesa da legalidade, na promoção do acesso dos cidadãos ao direito e à justiça e na defesa dos mais fracos e incapazes, os agentes do MP com a notoriedade e protagonismo mediáticos, se centram crescentemente na área criminal da política (buscas e apreensões, vazamento de processos e escutas para os media em conluio com os jornalistas, em manifesta violação do segredo de justiça, sempre que se mostram incapazes de investigar e acusar).
No fundo, uma prática também contestada pelo Prof. Vital Moreira (blogue Causa Nossa, publicação de 1 de Junho de 2023, com o título “A política criminal pertence ao foro político”) em que a dado passo afirma:
«Em Portugal, é de facto o Ministério Público quem decide o que investiga ou deixa de investigar, quando e como lhe apetece. Aparentemente, o MP manda em si próprio; aliás, cada procurador manda em si próprio e ninguém manda neles, nem a própria Procuradora-Geral controla o que eles fazem».
«O MP define as suas próprias prioridades, sem ser "chamado à pedra" pela Assembleia da República e pelo Presidente da República, que deve velar pelo regular funcionamento das instituições (sendo ele, aliás, quem nomeia e demite o/a PGR, sob proposta do Governo)».
Ainda em consonância, e se permite, um link (https://www.noticiasonline.eu/ministerio-publico-e-processo-penal-erros-e-equivocos/) para um excelente artigo do António Garcia Pereira sobre o “Ministério Público e Processo Penal: Erros e equívocos”.
Cordiais saudações

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