Mais de seis décadas passadas, não posso garantir que todos os anos entrasse na escola um novo irmão, a memória já não é o que foi, e foram vários os filhos dos caseiros da Quinta do Ordonho que diariamente percorreram cerca de três quilómetros até à escola de Vila Garcia, no concelho da Guarda, e igual distância para o regresso a casa. A assiduidade era espantosa, só quebrada quando a ribeira do Noémi transbordava e, no caminho, submergia o pontão que ligava as duas margens. Sapatos, onde os haveria, fosse verão ou inverno? A merenda, única refeição, se assim pode chamar-se ao que traziam os irmãos do Ordonho e as crianças do Carapito ou do Cairrão, as do Cume iam a casa enganar a fome, resumia-se a um naco de pão centeio, às vezes de cevada, com o parco peguilho que iam distanciando da boca para surdir até ao fim do pouco pão. Não eram diferentes de quase todos os alunos que, nas décadas de quarenta e cinquenta do século que foi, frequentavam a escola numa das mais pobres aldeias