Portugal deve precaver-se contra qualquer tipo de ultimatos?…

A ‘crise política’ – é já impossível disfarçá-la – tem o seu epicentro em Belém. O regime mostra-se periclitante perante um travestismo político e institucional verdadeiramente inaudito e saloio. Assiste-se a um improvisado duelo: Constituição versus Tradição. Confronto que não tem um árbitro efectivo já que o Presidente da República resolveu, descaradamente, ‘tomar partido’.

Ontem, com a eleição do Presidente da Assembleia da República, ficou bem mais visível até onde pode chegar o larvar confronto. 
Na realidade, perante os preceitos constitucionais – que obrigam o PR – este resolveu contrapor os ‘compromissos europeus e internacionais’ que, aparentemente, qualifica como imutáveis. 
Se é verdade que as condições objectivas do País não permitem questioná-los, no imediato, seria bom salvaguardar que, para futuro, não existem ‘vacas sagradas’.
Qualquer regime democrático não pode permitir esse tipo de condicionamento e de imobilismo. Aliás, ninguém assente nos arraiais da Direita questionou, por exemplo, a legitimidade do Governo de Sua Majestade britânica, dirigido pelo conservador Cameron, de referendar a permanência do Reino Unido na UE.

O Parlamento, em Portugal, tem sido manietado por lógicas partidárias restritivas e muitas vezes foi a correia de transmissão de maiorias reais ou conjunturais. 
Os órgãos dirigentes do Estado revelaram, sempre, uma ampla complacência perante os jogos parlamentares, reflexo directo de posições partidárias oriundas do fantasmagórico ‘arco da governação’. 
As eleições de 4 de Outubro colocaram o País sob outras perspectivas, novas opções e 'outras' respostas. 
A ‘cultura de diálogo’, muitas vezes apresentada como o incentivo a compromissos, começou a funcionar. O que os portugueses não sabiam, porque lhes foi sistematicamente ocultado, é que esses compromissos só eram possíveis e, portanto, só teriam legitimidade política, se fossem dirigidos para validar o ‘Centrão’, de modo a que a Direita, independentemente do veredicto dos portugueses, se perpetuasse no poder. 
Ora, a Democracia portuguesa, tal como ficou estampada na Constituição, abre caminho e ‘encaixa’ uma ampla conjugação de soluções políticas. Entretanto, inusitadas ‘manobras de bastidor’, orquestradas pelo Presidente da República, pretendem esvaziar o seu conteúdo – e a sua credibilidade - num quadro de hipotéticas ‘incompatibilidades’.

A mais importante delas será a novela do posicionamento dos partidos à Esquerda do PS em relação à ‘Europa’. De facto, a Esquerda não questiona a ideia da Europa, já que a sua postura internacionalista, mostra bem o contrário. O que deve colocar sérias reservas à Esquerda será a subtil transformação de uma Europa dos povos, bandeira da Esquerda, numa Europa dos bancos e outras instituições financeiras (objectivo da Direita) . 
Na longa ditadura portuguesa, existia um chavão que nos empurrou para o abismo: “a Pátria não se discute”. 
Hoje, será difícil a qualquer democrata aceitar que a Europa (tal com está) não pode ser questionada. Quando emergem na praça pública os fundamentalistas de um europeísmo cego e surdo(radical)  ninguém tem por hábito questionar: qual Europa?  
O Tratado de Lisboa, cerne das actuais estruturas políticas e organizativas europeias, nunca referendado pelos portugueses, é por assim dizer o filho bastardo de uma Constituição Europeia coordenada por um político de Direita francês (Giscard d’Estaing) e, desde logo, objecto de rejeições referendárias, a começar pela França. É, por isso, um tratado muito nebuloso na sua génese e não deve ser erigido como uma torre de marfim imune a qualquer contestação.

Em relação outros tratados europeus, como o Orçamental, devemos ter presente o nosso longo trajecto histórico. E devemos regressar a 1890 época do célebre e humilhante ‘Ultimatum’ britânico a Portugal. De facto, a Inglaterra esteve ligada ao nosso País por uma centenária aliança (desde 1373) mas não teve qualquer pejo, quando se colocou na ordem do dia a partilha (colonial) de África, em lançar-nos um vergonhoso e humilhante ‘ultimatum’ que viria a abalar decisivamente o regime (Monarquia) acelerando a implantação da República. 
Hoje os tratados europeus são multinacionais, envolvem muitos países, estão baseados em complexos equilíbrios e em entranhados interesses mas a regra do mais forte continua a imperar e ninguém pode excluir novos ‘ultimatos’. Estivemos à beira disso neste Verão com o ‘problema grego’.

 Este um exemplo (entre outros) daquilo que se pretende transformar numa mítica ‘vaca sagrada’ e que Cavaco Silva resolveu esgrimir contra o Parlamento, isto é, contra o regime. Temos de nos precaver contra qualquer tipo de ultimatos. Não restam dúvidas!

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