Resolução do imbróglio pós eleitoral: um prato de lentilhas…

Quando a Esquerda quer sair da tribuna opinativa ou abandonar o reduto do protesto está o caldo entornado. Esta a grande lição que os resultados eleitorais de 4 de Outubro nos dão.

Enquanto opinativa a Esquerda é tida como respeitável, considerando-se que, nessa remansa pacatez, faz o jogo da democracia. A Esquerda, mais à esquerda, ficando remetida ao seu papel de protesto é tolerada se comportar bem e não cometer excessos. E os excessos são sempre apresentados como perturbadores (dos interesses) assumindo uma conotação de radicalismo e mistificados como boicotes, alijando pela borda fora a inicial caracterização potestativa. 

Quando incomodam os negócios (nomeadamente as negociatas privadas à sombra de cargos públicos)  são primariamente rotulados de ‘irrealistas’ e rotulados de 'radicais'. 
 Em desespero de causa até podem merecer a classificação de antidemocráticos ou de ‘alta traição’.

Todas as facetas que a Esquerda possa apresentar, directamente dependentes de concepções ideológicas legítimas, e que lhe determinam comportamentos políticos, são apresentadas como portadoras de um enviesamento ou uma usurpação, exactamente porque a Direita julga que possui o ‘direito divino’ de governar.
Essa a mensagem subliminar que as forças conservadoras se empenham em passar aos eleitores. Socorre-se para isso de visões catastrofistas do tipo ‘levar o país à falência’, ‘aumentar o défice e a dívida’, ‘esbanjamento de recursos no campo social’, etc.

A Direita trata a Esquerda, como desde há séculos, vem tratando os ‘pobrezinhos’. Considera-os pouco inteligentes, preguiçosos e perdulários. Referindo-se à Esquerda resolveu tolerá-la para evitar males maiores mas com a condição de esta se manter dentro do redil (ou fora do tal ‘arco’). Quando existe a mínima perturbação deste falso equilíbrio, quando a artificial cercadura começa de cair, lá vêm as 'modernas' questões da ‘confiança dos mercados’, o cego ‘respeito pelas regras’ (que foram elaborando), a aceitação acrítica dos tratados (mesmo se já caducos), etc.
Resumindo, a Esquerda está autorizada a existir desde que se transforme num folclórico enfeite para adornar o exercício do poder pela Direita.

Este é o ‘golpe’ há largos anos em curso. Por isso, independentemente da capacidade de a Esquerda ser capaz de gizar uma plataforma comum para governar, a maioria dos comentadores ‘orgânicos’ e os habituais peões partidários (no estilo ‘his master voice’) incomodam-nos diariamente com repetitivos apelos à estabilidade, à responsabilidade, à moderação, ao conformismo, ao consenso, etc.

Quando nada disto parece resultar surge a técnica do ‘prato de lentilhas’. Oferece-se, como um bodo (aos vencidos), um ‘tachinho’ no novo Governo desde que não perturbem a continuidade política que a Coligação espera prosseguir (à revelia dos resultados eleitorais considerados globalmente). 
Foi isto que fez ontem o primeiro-ministro em funções link, ao que parece, imbuído de uma enorme condescendência pragmática e numa alta pose altruísta. Bruxelas deverá, muito brevemente, aplaudir.

Culminam a sua argumentação afirmando que se existe uma legitimidade constitucional (decorrente da necessidade do governo ter um suporte parlamentar maioritário) em contraponto, no seu juízo e interesse, haverá uma ‘ilegitimidade política’. Como se os Países devam ser governados por um ‘códice político’, implícito, não escrito e, supostamente, autónomo do que define preto no branco (e não apenas sugere) a Lei Fundamental.
Se a batota não está aqui, por onde anda?

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