A descolonização trágica e a colonização virtuosa
Ramalho Eanes referiu como trágica a descolonização em que «milhares de pessoas foram obrigadas a partir para um país que não era o seu».
Tem razão o ex-PR cujo papel importante na democracia e o
silêncio o agigantou depois da infeliz aventura por interposta esposa na
criação do PRD e da adesão à Opus Dei, sempre por intermédio da devota e
reacionaríssima consorte, que devolveu o agnóstico ao redil da Igreja.
Eanes distinguiu-se no 25 de novembro, como Dinis de Almeida
no 11 de março, ambos em obediência à cadeia de comando: Costa Gomes/Conselho
da Revolução. Foi sob as ordens de Costa Gomes e de Vasco Lourenço, então governador
militar de Lisboa, que, nesse dia, comandou no terreno as tropas da RML.
Mereceu, por isso, ser candidato a PR indigitado pelo grupo
dos 9 e apoiado pelo PS que, bem ou mal, foi o partido que promoveu a
manifestação da Fonte Luminosa, atrás da qual se esconderam o PSD e o CDS.
Foi nele que votei contra o patibular candidato do PSD/CDS,
o general Soares Carneiro, com o qual a direita quis alterar a derrota que
sofreu no 25 de novembro que quer agora celebrar contra o 25 de Abril.
Entendamo-nos, o 25 de Abril foi a promessa cumprida do MFA, o 28 de setembro,
o 11 de março e o 25 de novembro, os acidentes de percurso.
Voltemos à descolonização trágica. Vivi esses tempos em que
desoladamente vi chegar familiares das ex-colónias. Senti os seus dramas e emocionei-me
com vidas destroçadas e o desenraizamento de muitos dos que chegaram. Só o
esforço épico do acolhimento pelos que aqui estavam me orgulhou do povo que
somos e do País que é o meu.
Dizer que a descolonização foi trágica é um truísmo, como
todas as descolonizações, da Índia ao Médio Oriente, da América do Sul ou de
todo o continente africano. Dito assim é mera demagogia. Trágicas foram as
colonizações. Há quem use a descolonização para não discutir a colonização que,
no caso português, começou em Dadrá e Nagar Aveli, depois em Goa, Damão e Diu,
em S, João Batista de Ajudá e, na véspera da derrota militar da Guiné, quando o
PAIGC já dominava o terreno.
O general Eanes sabe perfeitamente que foi a incapacidade da
ditadura para lidar com os movimentos independentistas que a encurralou
“orgulhosamente só” no seu labirinto e comprometeu as negociações para a
transferência do poder.
Falar da tragédia da descolonização no país que resolveu,
melhor do que qualquer outro, a integração de um milhão de retornados, é
potenciar o ressentimento que alimenta a extrema-direita. É, no fundo, esquecer
a sua assinatura no movimento de oficiais que, na Guiné, condenaram o
patrioteirismo de um congresso fascista de combatentes.
Eanes, que tem resistido a apelos de Marcelo e Moedas, para
integrar as manifestações reacionárias do 25 de novembro contra o 25 de Abril, não
pode manchar o seu passado nem desiludir os que votaram nele contra Soares
Carneiro, para PR. Não pode falar em «descolonização trágica» como se houvesse
«colonização virtuosa».
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