A LIBERDADE QUE ABRIL NOS DEU

No princípio era o lápis azul…

Por Onofre Varela

Nos 50 anos da Revolução dos Cravos apetece-me falar da Liberdade conquistada e graças à qual tenho vindo a preencher este espaço no nosso jornal Alto Minho. Na verdade, antes de Abril de 1974, era impensável alguém publicar a sua opinião sobre Religião, livremente, do modo como o tenho feito aqui desde Março de 2022, sob o ponto de vista de um ateu, expondo, com plena liberdade, a minha opinião diversa da do religioso comum, respeitando-o na sua religiosidade mas não calando a minha voz. Devo esta Liberdade (todos nós a devemos) aos heroicos militares de Abril… e é exactamente por aqui que vou começar: nunca gostei de militares!…

Cumpri o serviço militar obrigatório (de Fev. de 1965 a Fev. de 1968) contra a minha vontade. Na minha juventude as palavras “Pátria” e “Portugal” soavam-me a falso. A Pátria era uma quinta que não era minha… nela eu não passava de um lacaio dos patrões da propriedade  chamada Portugal. E pelos livros da Escola Primária “ensinaram-me” que Portugal era “o maior país do mundo”… e eu a tentar conferi-lo com uma régua graduada sobre o mapa!

Mentiram-me no ensino. Um país que “ensina” assim os seus cidadãos não é digno de respeito algum… e agora há por aí uns “chefes-de-família” saudosos desse tempo que o querem ver reimplantado contra a dignidade de todos nós, começando pela das mulheres que querem ver novamente transformadas em “fadas-do-lar” remetidas para segundo plano!

Aos vinte anos obriguei-me a cumprir serviço militar porque não lhe soube fugir. A minha timidez roubou-me a coragem para emigrar “a salto”. Então, pensei: “Já que tenho de me submeter à tropa, vou dar o mínimo de mim cumprindo o serviço pelo posto mais baixo”, e omiti as habilitações (que não eram muitas… frequência do terceiro ano do curso de Pintura da Escola de Artes Decorativas Soares dos Reis, no Porto) e declarei ter a quarta-classe… só não disse ser analfabeto porque iam encontrar-me a ler.

Três anos depois de uma experiência desagradável (dois deles passados no norte de Angola), contando uma pena de prisão de quatro dias, e três louvores, regressei à vida civil em 1968 sem saudades da vida militar e detestando todos os militares do mundo!

Seis anos depois, numa madrugada de movimentação militar, a Liberdade saiu à rua… e no Sol da manhã os soldados tinham um cravo vermelho no cano das armas. Os “donos-da-quinta” não foram assassinados como se faz noutras partes do mundo por exércitos revoltados e sanguinários. Aqui, foram respeitados e colocados no país que escolheram para viver o resto das suas vidas, e os “lacaios-da-quinta” receberam, pela acção dos militares, a Liberdade que lhes era negada há 48 anos.

Então senti (e continuo a sentir meio século depois) o maior respeito pelos militares que fizeram o 25 de Abril, mas que aos 20 anos detestei. Limparam a sua imagem com a reimplantação da Democracia e recolocaram a República nos seus eixos. Destruíram a Ditadura que até aí serviam, terminaram com uma Guerra Colonial criminosa e, sem derramarem sangue como fazem os militares de outras partes do mundo, devolveram-nos a Liberdade que respiramos há 50 anos.

Quem não sentiu a Ditadura não sabe o que é viver por procuração, calar a sua voz e lutar na clandestinidade contra quem prendia, agredia, torturava e deixava morrer no campo de concentração do Tarrafal muitos dos que sonhavam com uma Pátria digna e Livre. Os militantes comunistas de então merecem ser honrados por isso.

A minha chegada aos jornais como colaborador eventual, aconteceu em 1969 no jornal O Primeiro de Janeiro. A minha entrada como efectivo, trabalhando a tempo inteiro, só ocorreu em 1978 (tinha eu 34 anos), já com o jornal liberto da “Comissão de Censura” há quatro anos, a qual revia todas as provas tipográficas que os jornais estavam obrigados a apresentar aos censores com gabinete montado perto dos jornais para um acesso mais rápido, cortando com lápis azul (os censores abominavam a cor vermelha!) as partes das notícias a que os leitores não deviam ter acesso, de acordo com a “pureza de pensamento” de um ditador que não queria oposição nem que os cidadãos acedessem à verdade. Por isso a ocultava. Pela minha entrada tardia nos jornais, não senti a censura do Estado Novo. Vim a conhecê-la contada por camaradas mais velhos.

Mas, curiosamente… senti-a já no tempo da Democracia… e do modo mais estúpido… o que me pareceu surreal!… Prometo contar tudo, aqui.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

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