A Invasão do Iraque (Texto de 2002)
Como é que um presidente tão perspicaz como George W. Bush, que descobriu em Durão Barroso um dos mais brilhantes jovens líderes políticos mundiais, tão sensato que preza as opiniões do Primeiro-ministro português e quis ouvir os seus conselhos, pode embarcar numa deriva belicista ao arrepio das Nações Unidas e da opinião pública mundial?
Como é que um génio que descobriu a profilaxia dos incêndios
através do corte de árvores, sugerida, é certo, pelos madeireiros, despreza a
Europa, que pode ser irrelevante sob o ponto de vista militar, mas conta no
plano moral? Talvez prefira os conselhos do vice-presidente Cheney, seu mentor
de serviço, com a alma e o passado mergulhados em petróleo e suspeitas.
Sadam é um biltre fascista que, tal como no poema de Brecht,
eliminou e elimina todos os que se lhe opõem, não hesitando em dizimar comunistas,
xiitas e curdos, mantendo-se no poder graças ao apoio efetivo das Forças
Armadas e à eventual proteção do Profeta, mas não é pior que outros ditadores
que exercem o poder por direito divino, herança familiar ou esquizofrenia.
Do Zimbabwe à Arábia Saudita há uma quantidade enorme de
execráveis torcionários cuja remoção não apoquenta Bush, talvez porque no
primeiro caso não há petróleo e no segundo há um aliado. Mas é exatamente esta
duplicidade que não pode ser tolerada. A ética nas relações internacionais é condição
de credibilidade para as democracias, cuja superioridade moral sobre as
ditaduras é um axioma. O respeito pelos direitos humanos é uma exigência que
não se conforma com o tratamento dado aos esquecidos prisioneiros de Guantánamo
entre os quais se podem encontrar inocentes – talvez a maioria – e que, em
qualquer caso, merecem o respeito que eles próprios negariam.
A remoção de Saddam Hussein é uma questão higiénica que não
é mais urgente nem mais imperiosa que a de outros facínoras. É preciso demonstrar,
pois, que os seus arsenais de armas químicas, biológicas ou nucleares, já
disseminadas um pouco por todo o planeta, são um perigo e não uma
probabilidade, são reais e não um pretexto para controlar o petróleo. Os países
democráticos regem-se por padrões de justiça e não por impulsos de vingança.
O alegado apoio a Bush, embora dúbio, que Durão Barroso lhe
terá expressado na questão do Iraque, urge ser esclarecido. Não me parece que,
nesse caso como em muitos outros, o Governo Português esteja em sintonia com o
país ou com a Europa e os seus Governos, com exceção do Britânico. Em vez de
alimentar ímpetos belicosos contra o inimigo predileto do Presidente Bush deve
exigir-se o respeito pelas Nações Unidas sob cuja égide se poderá legitimar um
ataque. De outro modo apenas resta a cumplicidade no ultraje ao direito
internacional e a subserviência ao líder do autodenominado “eixo do bem”.
Setembro de 2002
In Pedras Soltas (Ed. 2006)
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