Faleceu o Padre Mário de Oliveira (08-03-1937 / 24-02-2022)

Partiu hoje um homem bom, um clérigo que a sua igreja enjeitou por ter a coragem e a lucidez de pôr em causa os embustes de que vive.

Denunciou a encenação de Fátima e recusou que o seu Deus fosse violento, acreditando na bondade dos homens e na solidariedade que os deve unir.

Mário de Oliveira não era um ateu como o abade Jean Meslier (1664-1729), que odiava a realeza e a crença e deixou um violento panfleto contra a fé, para ser divulgado depois da sua morte.

O padre da Lixa era um humanista, um homem que não aceitava a maldade do seu Deus e o encontrava na solidariedade de que era exemplo, na paz que defendia e na verdade que buscava. Foi um jornalista e escritor antifascista que não se vergou, um democrata que pregava o amor.

No dia em que as bombas caem em Kiev, morre um homem de paz, cidadão generoso que procurava unir por laços fraternos.

É dever de um ateu prestar homenagem ao crente que foi também livre-pensador, o homem inquieto em busca da verdade, o filósofo da paz e da tolerância, promotor do diálogo na diversidade que une e na compreensão que redime.

Depois da turbulência de uma vida pautada pela verticalidade e coragem, entrou hoje nas “delícias do Nada” onde o reencontrarei.

Hei de encontrar-me aí consigo, padre Mário.


Comentários

egr disse…
Assisti, no Tribunal de S. João Novo , a algumas audiências do julgamento do Padre Mário , no então denominado Tribunal Plenário , pois fora preso pela PIDE na sequencia das suas homilias em defesa da paz , condenado a guerra colonial ; as entradas eram rigorosamente controladas , e dentro da exígua sala encontravam-se guardas armados como se estivesse a ser julgado um perigoso criminoso ; recordo dessas audiências : a serena coragem do Padre Mário , a coragem e inteligência do seu advogado Dr. José da Silva - de cuja estima vim a gozar em virtude de uma tertúlia a que ambos pertencemos -, recordo ainda a ignomínia de ver sentado , na sala de audiências , na bancada oposta a do advogado o diretor da PIDE no Porto ; lembro a miserável conduta do Juiz Presidente do coletivo . um tal Desembargador Morais Campilho que mais não era que um pau mandado do regime ; mas quero , muito enfaticamente, recordar , o DEPOIMENTO EM DEFESA DO PADRE MÁRIO DO BISPO DO PORTO D. ANTÓNIO FERREIRA GOMES , QUE SEM UM HIATO , DURANTE , SEGURAMENTE, MEIA HORA DISCORREU SOBRE O PAPEL DA IGREJA NA DIFUSÃO DOS VALORES DA PAZ ; o silencio na sala era pesado .e penso que ninguém , entre os assistentes , esquecerá esses momentos ; o Padre Mário foi absolvido , graças aos votos dos outros dois juízes , que compunham o coletivo , os quais consideraram que não se tinham provado os crimes dos quais o Padre Mário fora acusado . FICA AQUI A MINHA SINGELA HOMENGEM AO PADRE MÁRIO
egr:

Obrigado por tão eloquente e simbólico testemunho.

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