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O QUE É O NEOLIBERALISMO, UMA DOUTRINA BEM CONHECIDA, QUE A 'INICIATIVA LIBERAL' (AINDA PIOR DO QUE O “CHEGA”) NOS QUER IMPINGIR

- texto de Alfredo Barroso

Apresento-vos os principais criadores da sinistra doutrina neoliberal (ou ‘ultraliberal) tal como já a conhecemos:


Friederich von Hayek (1899-1992), austríaco, foi o ‘deus’ criador da ‘religião’ neoliberal e fundador da respectiva ‘igreja’ (a muito pouco conhecida Société du Mont-Pélérin, criada na Suíça em 10 de Abril de 1947), e também autor de um best-seller antisocialista – sobretudo contra o Estado Social – intitulado «O Caminho da Servidão» (que mereceu uma versão abreviada distribuída em 600 mil exemplares pela Reader’s Digest, em 1947);

– e Milton Friedman (1912-2006), norte-americano (e igualmente membro da Société du Mont-Pélérin), ‘papa’ da ‘igreja’ neoliberal e autor do livro «Capitalism and Freedom» (publicado em 1962). Foi ele quem elaborou os conceitos fundamentais da doutrina e organizou a famosa Escola de Chicago (monetarista) – que se tornaria viveiro do neoliberalismo, e serviria de base às políticas económicas de Reagan, Thatcher e Pinochet.

Para Hayek e Friedman, tal como para os seus discípulos e seguidores: «não há alternativa ao capitalismo». Pior ainda: «não há alternativa ao (neo)liberalismo». «Não há Alternativa» é, precisamente, a tradução de uma famosa frase proferida pela primeira-ministra britânica Margaret Thatcher: «There Is No Alternative», cujo acrónimo é 'TINA'.


Como escreveram, em livro, o economista Bertrand Rothé e o escritor Gérad Mordillat: «'TINA' é a arma ideológica inventada pela minoria neoliberal para tentar impor ao mundo as suas opções. Ao repetir que ‘não há alternativa’, o ‘establishment’ neoliberal vai transformar o jogo político num ultimato permanente. E ponto final na reflexão. E ponto final no debate democrático. E, doravante, a mensagem é a seguinte: ‘Votem em nós ou irão desaparecer’. É um simplismo, ou seja, aquilo a que chamamos 'pensamento único'».

«A contra-revolução neoliberal é essencialmente antidemocrática» – afirmou o economista norte-americano Paul Krugman. E, «de facto, nenhuma maioria de eleitores desejaria reduzir a cobertura social que protege a generalidade dos cidadãos. Nunca por nunca ser. Ora, o único meio de forçar a mão do povo é levá-lo a acreditar que não há alternativa» - acrescentam Rothé e Mordillat.


Na sua obra «Capitalism and Freedom», Milton Friedman explica-nos que, sendo a obtenção do lucro a essência de qualquer democracia neoliberal, qualquer o governo que conduza políticas contrárias ao mercado comporta-se de forma antidemocrática, sendo irrelevante o apoio de que goze por parte da maioria da população esclarecida. Contraditório, não é?!

Foi esta visão verdadeiramente perversa da democracia que fez com que Milton Friedman e Friederich Hayek apoiassem activamente e sem reservas o sangrento golpe de Estado do general Augusto Pinochet no Chile – que depôs, em 1973, o governo esquerda democraticamente eleito do presidente Salvador Allende – pretextando que esse governo legítimo estava a interferir no controlo dos negócios da sociedade chilena, o que era intolerável para os plutocratas, quer chilenos quer norte-americanos.

Friederich Hayek foi mesmo ao ponto de declarar publicamente, em defesa do indefensável Pinochet, o seguinte: «Pessoalmente, prefiro uma ditadura liberal a qualquer governo democrático completamente alheado do liberalismo». Foi essa «ditadura liberal», brutal e selvagem, que os "Chicago boys", discípulos de Milton Friedman, ajudaram a sustentar durante 15 anos, transformando o Chile do sanguinário general Augusto Pinochet no primeiro grande laboratório experimental das políticas neoliberais preconizadas por Hayek e Friedman, de acordo com a «santíssima trindade»: privatização, desregulamentação e corte radical das despesas sociais, formulada na obra matricial de Milton Friedman «Capitalismo e liberdade».


Como escreveu Naomi Klein, no seu livro «The Schock Doctrine, The Rise of Disaster Capitalism», o Chile marcou a génese da contra-revolução ultraliberal, nascida no terror, e que se apresentava como «uma verdadeira revolução, um movimento radical rumo à liberalização total dos mercados», como chegou a escrever o "Chicago boy" chileno José Piñera, ministro do Trabalho e das Minas de Augusto Pinochet.


O resultado desse «tratamento de choque» que o próprio Milton Friedman foi ao Chile aconselhar a Pinochet - uma «orgia auto-mutiladora» de reformas, como salientou a insuspeita revista «The Economist» – traduziu-se num brutal "empobrecimento" (noção que viria a ser tão cara a Passos Coelho, em Portugal) com o objectivo de arrastar o Chile até atingir a «liberalização completa dos mercados», provocando um enorme aumento do desemprego (que os "Chicago boys" consideravam «provisório») e desmantelando o Estado-Providência, no intuito de estimular o nascimento de uma «utopia capitalista pura».

O ano crucial foi o de 1975, quando a inflação já atingira os 375 % (mais do dobro do que durante o governo de Allende). E o balanço foi aterrador. As despesas do Estado foram reduzidas, de uma só vez, em 27 %. A Saúde e a Educação foram os sectores mais duramente atingidos (uma das medidas mais emblemáticas foi o corte do abastecimento de leite às escolas). A rede de escolas públicas foi substituída por escolas privadas "à la carte", às quais se tinha acesso com «cheques de ensino».


Os serviços de saúde foram submetidos ao princípio do «utilizador pagador», jardins de infância e cemitérios foram vendidos ao sector privado. Todavia, a medida mais radical foi a privatização da Segurança Social. Além disso, mais de 500 bancos e empresas públicas foram privatizados ao «preço da chuva». Inúmeras empresas locais foram destroçadas e, entre 1973 e 1983, o sector industrial perdeu 177.000 postos de trabalho.


Cerca de metade da população chilena foi, pura e simplesmente, excluída da economia. A corrupção, o compadrio e as fraudes escaparam a qualquer controlo. As pequenas e médias empresas públicas foram dizimadas. A riqueza passou do sector público para o sector privado, enquanto enormes passivos passaram do sector privado para o sector público. Aconselhado por Friedman e pela sua ignominiosa e corrupta quadrilha de "Chicago boys", o ditador Augusto Pinochet mergulhou deliberadamente o Chile numa profunda e terrível recessão.


Claro que os únicos beneficiários das reformas neoliberais executadas no Chile pelos “Chicago boys" locais - designadamente pelo seu chefe de fila, o ministro das Finanças Sérgio de Castro (um antigo aluno de Friedman em Chicago) – foram as grandes empresas estrangeiras e um grupo de financeiros oportunistas, a que os chilenos chamavam «piranhas», e que nunca se cansaram de 'arrecadar', à custa duma especulação desenfreada, vários milhares de milhões, partilhando-os com “Chicago boys”, tanto estrangeiros como locais. O resultado das brutais reformas neoliberais só podia ser o de aspirar a riqueza de baixo para cima e, em simultâneo, à custa dos sucessivos 'choques', empurrar a classe média de cima para baixo, para o desemprego e a despromoção social.

A lógica neoliberal do «tratamento de choque» (semelhante ao que a 'troika' e o governo de Passos Coelho quiseram impor a Portugal entre 2011 e 2015) fez Naomi Klein evocar, no livro já citado, o "parentesco" impressionante com a lógica dos psiquiatras que, nas décadas de 1940 e 1950, se convenceram de que bastava provocar deliberadamente as crises de epilepsia para que os cérebros dos pacientes voltassem a funcionar «normalmente». Para tanto, esses psiquiatras prescreviam o recurso massivo aos electrochoques, tal como os «tratamentos de choque» que Milton Friedman, e depois a UE, o BCE e o FMI (isto é, a troika) – com apoio do já referido governo de direita em Portugal - receitaram e continuam a receitar aos países periféricos em sérias dificuldades. Como nessa altura descreveu a igualmente insuspeita revista «Business Week», o que se viu no Chile foi «um mundo digno do doutor Strangelove, onde a depressão foi provocada voluntariamente».


As propostas de Friedman foram de tal maneira brutais e desumanas, que um seu antigo discípulo, André Gunder Franck, escandalizado com o horror que testemunhou no Chile, escreveu que tais propostas «não teriam podido ser aplicadas sem os dois elementos-base em que se apoiavam: a força militar e o terror policial». Eu diria, sem constrangimentos ou papas na língua, que foram estes dois elementos-base que, felizmente, faltaram em Portugal, entre 2011 e 2015, para criar um cenário tão dantesco, não só como o do Chile, mas também como o da Argentina, do Brasil e de outras ditaduras militares sul-americanas igualmente «aconselhadas» pelos "Chicago boys".


Falta ainda referir, para terminar, uma cena caricata e patética. Há não muitos anos, ficámos a saber que Friedrich Hayek - o velho ‘profeta’ venerado pelo ditador Augusto Pinochet e pela sua grande amiga Margaret Thatcher - não aceitou visitar os EUA em 1973, a convite de um milionário norte-americano, Charles Koch (defensor acérrimo do desmantelamento do Estado-Providência), por ter medo de perder os seus direitos à Segurança Social no seu país, a Áustria. Hayek – que nos seus discursos, palestras e ensaios proclamava que a Segurança Social é «essencialmente um absurdo» que urge banir – explica com grande detalhe, na correspondência que trocou com Charles Koch, os benefícios sociais a que tinha direito, e que não queria arriscar-se a perder. Para além da hipocrisia pessoal, o que aqui se manifesta é o cinismo de um discurso que consiste em fazer crer às pessoas que se pretende proteger a sua responsabilidade pessoal e a sua liberdade de escolha, quando, afinal, as pessoas são despojadas dos seus direitos sociais e do seu dinheiro para encher os bolsos da ínfima minoria dos mais ricos do planeta – além do que nunca hão de chegar a beneficiar dessa tal 'liberdade de escolha', por mais responsáveis que elas sejam... E é nisto que dá a tentativa neoliberal de impor a um páis a “soberania” das empresas, sobretudo as multinacionais, e a total subordinação do Estado aos “interesses” do mercado!

Campo d’Ourique, 6 de Fevereiro de 2022

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