Os sinos dobram em Kiev – 2
Os sinos dobram em Kiev e ninguém apareceu no funeral de um país que comprometeu o futuro das democracias europeias e o bem-estar dos europeus. Os que lhe prometeram apoio temeram Putin e o espetro da guerra nuclear arrepiou a Europa.
A Nato, depois da extinção do pacto de Varsóvia, apesar do
acordo de cavalheiros para não se expandir para os países dominados pela
ex-URSS, não parou de cercar a Rússia e aumentar a zona de influência, acabando
por sofrer um revés na Geórgia, com a Ossétia do Sul e a Abcásia amputadas.
Agora, com a credível suspeita da futura adesão da Ucrânia à
Nato, o neonazi Putin, que se autointitulou libertador da Ucrânia neonazi, voltou
a repetir aí a criação da república fantoche de Donbass depois de ter usado o
mesmo expediente na Crimeia, em 2014.
O que há de novo e intolerável é a invasão da Ucrânia para
tornar o próprio país em uma república fantoche, apelando aos militares para
tomarem o poder que já conquistou. Não lhe faltarão apoiantes. É a sorte dos
fortes contra os fracos.
Os sinos dobram em Kiev e ouve-se o choro e a raiva da
impotência das democracias da Europa, cujas sanções à Rússia são também sansões
contra si próprias.
Putin é o czar nacionalista com um pouco de todos os
criminosos que o precederam no séc. XX, de Hitler, Franco e Mussolini a Mao,
Estaline e Enver Hoxha. É o ditador frio e calculista que tem na Rússia
imperial e nos czares o seu modelo, um perigo para a Rússia, a Europa e o Mundo
como previu Mário Soares.
A Ucrânia não era um modelo de democracia, onde o
autoritarismo era a tradição, onde o Batalhão Azov, milícia neonazi ultranacionalista
e xenófoba, aterrorizava as regiões russófonas e as minorias russas, sem que o
regime a desarmasse, mas, comparada com a Rússia era uma democracia.
Os sinos dobram em Kiev, e, com a Ucrânia, foram derrotados
os democratas russos que se opõem a Putin, as democracias europeias onde os
neofascistas se sentem encorajados, a defesa dos direitos humanos na Hungria e
Polónia, a UE, devastada economicamente e a tentar ultrapassar os danos da
guerra onde ninguém quis morrer, mas que a debilitou, e, finalmente, os EUA com
a vitória da China que esteve ausente.
Não é por acaso que Bolsonaro, Marine Le Pen e Trump expressaram
simpatia pelo czar da Rússia. Dos dois lados do conflito venceu o pior, o
agressor. Peço a Saramago as suas palavras em relação a Cuba, “até aqui
cheguei”, Putin, agora e sempre, nunca.
Não há o direito de acirrar ódios, aprofundar clivagens e
desintegrar nações em nome de ideologias passadas, de memórias mal enterradas
ou dos negócios do gás e armamento. Todos sabemos das deportações em massa de
Estaline e das alterações étnicas que estão na base de numerosos conflitos nos
territórios da Ex-URSS, mas temos de procurar que as diferenças não se tornem
divergências e conduzam à guerra.
Podiam os terroristas de sofá, os atiradores de palavras
pelo cano dos media, sentir o coice da culatra da arma que usam e
lembrarem-se do que fizeram à Jugoslávia quando o Vaticano e a Alemanha
reconheceram a Croácia independente e iniciaram o processo de desmembramento de
um país, que provocou centenas de milhares de mortos numa orgia de sangue, ódio
e ressentimento. E, finalmente, à Sérvia, com a criação de um país pária, o
Kosovo.
É justo, enquanto aguardamos os efeitos devastadores da
guerra e assistimos à anexação de um grande país, homenagear o comportamento do
Governo português, a quem cabe a exclusiva responsabilidade da política
externa, pela conduta sóbria e sábia que manteve.
Depois da peste e da seca, a guerra. Tudo nos corre mal.
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