Ramalho Eanes referiu como trágica a descolonização em que «milhares de pessoas foram obrigadas a partir para um país que não era o seu». Tem razão o ex-PR cujo papel importante na democracia e o silêncio o agigantou depois da infeliz aventura por interposta esposa na criação do PRD e da adesão à Opus Dei, sempre por intermédio da devota e reacionaríssima consorte, que devolveu o agnóstico ao redil da Igreja. Eanes distinguiu-se no 25 de novembro, como Dinis de Almeida no 11 de março, ambos em obediência à cadeia de comando: Costa Gomes/Conselho da Revolução . Foi sob as ordens de Costa Gomes e de Vasco Lourenço, então governador militar de Lisboa, que, nesse dia, comandou no terreno as tropas da RML. Mereceu, por isso, ser candidato a PR indigitado pelo grupo dos 9 e apoiado pelo PS que, bem ou mal, foi o partido que promoveu a manifestação da Fonte Luminosa, atrás da qual se esconderam o PSD e o CDS. Foi nele que votei contra o patibular candidato do PSD/CDS, o general Soares...
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O papel do Estado no que concerne a economia produtiva – insubstituível – é o de criar e manter um ambiente (Justiça, Educação, Fiscalidade, regulamentação, liberdade de estabelecimento, etc.) que possibilite o exercício eficiente da actividade privada. Um ambiente amigo do sucesso empresarial honesto. Que deveria ser exaltado. E deixar os empresários fazerem o seu trabalho. Existindo ambiente propício, não há alternativa aos empresários, para decidir melhor onde eles devem vender, investir e como formar os seus trabalhadores. Coisa na qual os governos – todos – têm demonstrado abundantemente a sua inépcia. Seria bom que esquecessem aquilo que acham dever dos empresários e que se dedicassem àquilo que lhes compete fazer.
Um exemplo que vai, certamente, fazer história e tornar-se clássico é o do Brasil. Congresso e governo paralisados desde há cinco meses. Com a economia prosperando como nunca. Escândalos sucessivos têm sido protagonizados por personagens destacadas do partido do presidente Lula e de outros que o têm vindo a apoiar. Afortunadamente, antes dos acontecimentos que reduziram a nada a capacidade de iniciativa e intervenção do governo brasileiro, tinha ficado assumida pelo novo presidente a continuidade da política económica do governo de Fernando Henrique Cardoso e aprovada a reforma (possível) da previdência. Mas, praticamente sem Governo, nunca a economia brasileira esteve tão bem, nunca os capitais estrangeiros afluíram com tanta confiança. Após o início dos escândalos, o real subiu face ao dólar e aumentou mais de 15% o índice de valorização da Bolsa de Valores de São Paulo. Com os políticos “recolhidos à sua insignificância” na expressão feliz de Severino Cavalcanti, ex-presidente da Câmara dos Deputados, a economia disparou. As confederações empresariais fazem campanha para que – seja ou não o presidente Lula o “chefe da quadrilha”, como lhe chamou um jurista brasileiro – nem se ponha a hipótese de ‘impeachment’ e se mantenha o Governo como está. Quieto. Comportado.
Anote-se, como curiosidade, o entusiasmo que em alguns meios causou a vitória do partido “dos trabalhadores”. Inspirado na figura e no sucesso de Lula, Mário Soares chegou a apontar o também líder sindical, comunista, Carvalho da Silva como um potencial bom candidato à presidencia. Nem sempre tem reconhecido que os desejos devem ser cotejados com as realidades. Desejos e aparências enganam.
Mas, regressemos ao nosso país. O que se disse não tem que ver com a actuação da autoridade da concorrência, da CMVM, ou do ministério público investigando e punindo comportamentos ilícitos ou menos éticos das empresas. Nenhuma destas entidades é o governo. Assumiram, felizmente, uma independência saudável. E estão tentando acertar. O que nos preocupa é o Governo. O que diz, o que tenta fazer e o que faz. Sobretudo o governo-accionista, sem a assumpção das responsabilidades inerentes a um accionista. A esquerda falhada como vanguarda da classe trabalhadora, pretendendo-se agora vanguarda da classe empresarial. Ninguém deseja, evidentemente, que sejam casos de corrupção a travá-lo nas tentativas de intromissão na esfera empresarial. Por muito que uma investigação relativamente aos terrenos em torno da Ota parece justificar-se (alguém lembra Brasília?), para não deixar dúvidas sobre pressões exercidas sobre alguns actores neste processo. De cuja empenho esforçado e boa-fé inocente se não duvida. Incomodam-nos mais as ‘golden shares’. Mais do que defesas relativamente a desvios estratégicos ou à soberania (de quem?) ameaçada, mereceriam uma análise cuidada sobre a sua justificação. Se é que existe uma justificação.
Claudia**
o Marcelo sempre teve um «fraquinho» pelo Sócrates...