A guerra na Ucrânia
A guerra na Ucrânia – Vae victis! Ai dos vencidos!
Que a Rússia invadiu a Ucrânia, violando o direito internacional, é uma evidência. Que a Nato se tinha aproximado da Rússia num cerco inexorável, ao contrário de promessas que começaram na reunificação alemã, é uma realidade que vinha desde a URSS.
A UE, a mais estimulante construção de um espaço económico e democrático, era até há pouco uma referência num mundo onde o direito dá lugar ao arbítrio e a paz se perde ao serviço de interesses geoestratégicos.
A guerra na Ucrânia nunca deixou de ser, independentemente das considerações éticas e jurídicas, a luta entre os EUA e a China, as duas mais relevantes potências económicas a nível mundial, com capacidade demográfica para se enfrentarem. E a Nato foi sempre o instrumento do imperialismo americano como o Pacto de Varsóvia o foi para a União Soviética há muito implodida.
A guerra na Ucrânia, para lá de considerações éticas e de direito, foi pretendida pelos EUA para sangrar a UE e a Rússia e a russofobia dos países limítrofes aproveitada para esse fim. Conseguiram os dois objetivos. A transformação da Ucrânia numa potência militar e do seu presidente numa espécie de Che Guevara da contrarrevolução dos EUA, designado líder do mundo livre, fizeram de Zelensky o convidado obrigatório das reuniões da Nato e da UE, quando a Ucrânia era apenas candidata à integração.
Foi assim que a aposta na vitória de Biden ou Kamala Harris contra Trump se converteu no mais danoso erro de cálculo desta direção da UE que nunca esclareceu o que entende por Europa, do Atlântico aos Urais ou à Rússia, ou da Nato, com ou sem Turquia, RU ou Hungria.
Quanto a lições de moral, é melhor não falar da UE e, muito menos, da Nato.
Há dois dias, na confusão entre a UE e Nato, realizou-se em Paris o retiro espiritual para fazer a catarse da viuvez de Biden e nem uma decisão foi tomada, apenas foi mostrada a desorientação da UE com António Costa e Ursula von der Leyen como figurantes e os líderes da França, RU e Alemanha, este a 5 dias de ser apeado, a metáfora do velório.
Manda a decência que a UE ajude o que sobrar da Ucrânia a reconstruir-se, tal como ajudou à guerra, e espero que seja isso que os presidentes do Conselho Europeu e da Comissão Europeia lhe vão prometer na próxima segunda-feira.
Resta saber se os eleitores da UE estão dispostos a aceitar que honrem os compromissos que assumirem ou, à semelhança do que está reservado a Zelensky, serão descartados.
Comentários
Por fim, espero bem que estas lideranças europeias sejam retiradas do cenário o mais rápido possível, a bem de um ideal que ainda possa ser retomado.
Acompanho diariamente o seu blog, e tenho um grande respeito pelas suas opiniões, com as quais estou em geral de acordo.
Por isso, e quando afirma que “a Nato se tinha aproximado da Rússia num cerco inexorável, ao contrário de promessas que começaram na reunificação alemã, é uma realidade que vinha desde a URSS” (alargamento que muitos entendem justificar a origem da invasão russa da Ucrânia), se me permite gostaria de lhe colocar as seguintes questões:
- Que autoridade, têm aqueles que contrariam o alargamento da NATO a leste para dizer aos povos polaco, letão, lituano, estónio, romeno ou búlgaro, que não deveriam ter feito a escolha que fizeram?
- Por que razão países como a Finlândia e a Suécia militar decidiram agora pedir a adesão à NATO, abandonando décadas de neutralidade e não alinhamento militar?
- Será que estes países com fronteiras encostadas à Rússia (países Bálticos, Polónia, Eslováquia, Hungria, Roménia, Bulgária, Suécia, Finlândia), não reconheceram que precisavam de uma defesa sólida perante o poder militar/nuclear do vizinho russo, não tendo alternativa para essa defesa vital da sua soberania que não fosse a adesão à NATO, à qual entretanto aderiram por decisões nacionais soberanas dos seus povos?
- Ou do porquê de países como a Geórgia e a Ucrânia porque não conseguiram aderir à NATO – é bom lembrar que na Cimeira da NATO de Bucareste de 2008, a Geórgia e a Ucrânia que tinham manifestado a intenção de aderir à NATO viram os seus pedidos recusados – voltaram a ser vítimas do imperialismo russo e de agressões à sua integralidade territorial, a Geórgia com as independência das autoproclamadas repúblicas da Ossétia do Sul e da Abecásia, e a Ucrânia com as das regiões separatistas de Donetsk e Luganssk e a anexação da Crimeia em 2014, e agora desde 2022 com a invasão da própria Ucrânia?
Cordiais saudações
As perguntas que me faz baseiam-se na livre decisão dos países, envolvendo a ética, não o direito, mas as relações de força são as que, na minha opinião, prevalecem.
Não preciso de dizer que me repugna a sobreposição da força ao direito, mas é o que se verifica, agora de forma marcadamente despudorada depois da reincidente chegada de Donald Trump à Casa Branca.
Estou a responder-lhe depois de ter ouvido os dirigentes americanos, na linguagem mais reles a fazer bullying sobre Zelensky. Eu, que nunca comprei a ideia de que a Ucrânia fosse uma democracia e Zelensky um herói do ocidente, depois de ter a certeza das perseguições étnicas e políticas sob a sua orientação, senti nojo dos biltres da USA.
Mas, dito isto, tinha há muito a certeza de que a extensão da Nato, país a país, até às fronteiras da Rússia levariam a uma guerra, cuja degeneração em nuclear temi, ou à desintegração da Federação Russa com as repúblicas muçulmanas em intermináveis guerras. E a promessa de que a Nato não se estenderia aos países do ex- Pacto de Varsóvia era apenas a promessa de não ameaçar a zona de influência.
E, quanto à sobreposição da força sobre o direito, temos muitos exemplos na Europa e trágicas consequências na ex-Jugoslávia, invasão do Chipre pela Turquia, Kosovo, etc.
Adianto-lhe ainda que a previsão de que podia haver negociações sobre a guerra na Ucrânia sem que a Ucrânia fosse ouvida me veio das negociações na crise de Cuba onde o mundo esteve à beira de um conflito nuclear: a URSS queria colocar mísseis em Cuba com a conivência do país, e a guerra foi evitada com a retirada dos mísseis de Cuba e a retirada de mísseis americanos da Turquia em negociações entre EUA e URSS sem que Cuba ou a Turquia fossem ouvidas.
Posso estar enganado, e muitas vezes estou, mas certamente não me enganei quando disse que Zelensky é um homem politicamente morto.
Que os EUA e a China sejam as maiores potências económicas do mundo não duvido. Já não consigo discernir se a segunda se prepara para substituir a primeira e tomar o seu lugar hegemónico. A minha divergência consigo referia-se à ligação que fez da guerra com a disputa entre essas potências. É que, julgo eu, a Rússia tem uma autonomia histórica bem cimentada, como o está a demonstrar, novamente, neste conflito, que não abona a favor de intentos que pretendam subalternizá-la. Tal ideia, que parece continuar a fazer o seu caminho, sob outra linguagem - o Trump está a ajudar o Putin a sair do isolamento internacional, blá , blá blá... , mas a UE vai injectar mais 700 mil milhões de euros e agora é que vai ser..., blá, blá, blá..., a Rússia está em declínio (estou a ouvir na CNN da boca de uma miúda alucinada, com direito semanal de antena) - e todo este discurso, se levado a sério, só pode ser perigoso para o nosso futuro.
Mas, nesta sua resposta introduz novos dados que, sem querer polemizar - já não tenho idade para isso - gostaria que me dissesse onde os foi colher.
Por exemplo, quando fala em "rivalidades históricas" entre Rússia e a China, suponho que se está a referir às diferenças ideológicas que rebentaram na sequência das teses aprovadas no célebre XX congresso do PCUS. Ora, hoje, os tempos são outros: A URSS já não existe, a China não é a mesma e não são públicos grandes diferendos entre esses países. Aliás, há muito que ambos cooperam no âmbito dos BRICS, sendo seus membros fundadores. Não me parece, pois, razoável pensar que foram a "UE e os EUA a atirar a Rússia para uma aliança com a China." Esses países há muito que reivindicam uma nova ordem mundial, multipolar e que no seu dizer deve respeitar o interesse e valores de todos as nações. Ora, tal ideia choca de frente com a hegemonia americana e daí o conflito na Ucrânia. Sem cuidar de saber, por agora, se o discurso inerente aos BRICS é bondoso, julgo que a UE tem todo o interesse em agir autonomamente, como um polo independente, que seja relevante no futuro que parece vir aí.
Muito mais extravagante parece-me a ideia de que "Eram, aliás, de inspiração americana os movimentos maoístas contra a URSS". Sinceramente, em meu proveito, gostava muito que o meu caro amigo, fundamentasse minimamente tal afirmação.