A BISPA E O NARCISISTA
Por Onofre Varela
Uma das apregoadas funções dos credos religiosos de inspiração cristã, é o dever de fomentar a paz, a concórdia, o bom-relacionamento social e o respeito pela dignidade humana. Pelo menos é este o grande estandarte dos cristãos que não se radicalizam e que veem no outro uma pessoa igual a si.
Foi esta mesma leitura que eu fiz do discurso da bispa Mariann Edgar Budde – da diocese de Washington da Igreja Episcopal – proferido numa cerimónia religiosa no dia 21 de Janeiro último, inserida no programa da tomada de posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos da América (EUA).
No exercício das suas funções religiosas – registadas em qualquer manual de comportamento social cristão – a bispa disse que “todos somos estrangeiros nesta terra”; frase historicamente correcta, porque a América foi descoberta por Cristóvão Colombo em 1492 (em parceria com Américo Vespúcio), e depois foi colonizada por alemães, ingleses, dinamarqueses, escoceses, espanhóis, franceses, holandeses, russos, chineses, suecos… e até portugueses… no mínimo.
O próprio Trump é filho de pai alemão e de mãe escocesa que foram imigrantes iguais aos que ele agora expulsa, negando-lhes a oportunidade que os EUA ofereceram aos seus progenitores e a si próprio, permitindo-lhe ser o magnata que hoje é.
Os povos que podem ser considerados genuinamente americanos são os descendentes das tribos dos peles-vermelhas – que já lá estavam quando Colombo aportou àquelas terras – denominados “índios” porque o navegador pensou ter chegado à Índia. Foi essa intenção (a de chegar à Índia pelo ocidente) a principal “mola” que levou à descoberta da América pelos navegadores ocidentais... mola que foi “descomprimida” no século XV, um tempo em que já se presumia a esfericidade do planeta e que, portanto, seria possível chegar ao oriente navegando para ocidente… para mais além do arquipélago dos Açores.
A razão histórica e humanista da bispa Mariann Edgar Budde, não faz a razão de Trump. Mariann é religiosa e defensora da paz e da igualdade; e Trump – sendo, também, religioso – defende o conflito e a superioridade de um povo (o americano) sobre todos os outros povos do mundo.
Na sua intervenção enquanto membro da Igreja Episcopal, Mariann concentrou-se em três elementos essenciais para a unidade dos EUA (e também para a unidade de toda a Humanidade… digo eu…), que são: a Dignidade, a Honestidade e a Humildade.
Depois de discursar acrescentou um apelo, olhando Trump nos olhos. Falou em misericórdia “para todos os que têm medo, em particular os imigrantes e os membros da comunidade homossexual e transgénero”.
E rematou com esta “estocada final” que feriu a vaidade e a desumanidade de Trump (mas que ele usa como virtudes):“As pessoas que apanham as nossas colheitas, limpam os nossos edifícios de escritórios, trabalham nas explorações avícolas e nos frigoríficos, lavam a louça depois das refeições nos restaurantes e fazem turnos de noite nos hospitais: podem não ser cidadãos ou não ter a documentação adequada, mas a grande maioria dos imigrantes não é composta por criminosos. Pagam impostos e são bons vizinhos”.
Disse ainda: “Peço que tenha misericórdia, senhor presidente, daqueles que, nas nossas comunidades, têm filhos que temem a expulsão dos seus pais. E que ajude aqueles que fogem de zonas de guerra e são perseguidos nas suas próprias terras, a encontrar compaixão e boas-vindas aqui”. Este discurso assertivo e inteligente, vindo de uma mulher, foi muito mal recebido por um homem arrogante e machista como é Trump, e que de inteligência emocional apenas deterá, hipoteticamente, um resquício de refugo a que não dá uso.
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