Rússia / Ucrânia - 2 – “Devem ouvir-se igualmente ambas as partes” – (Demóstones, in Oração da Coroa, 330 a.c.)

Caros leitores,

Nauseado com a informação reduzida a propaganda e a vaga de atlantismo acéfalo que grassa na informação, onde a censura e a ausência de contraditório dividiu o mundo em bons e maus, saúdo todos os que defendem posições divergentes e, em especial, os que discordam visceralmente de mim, incluindo os que no café ou no Facebook me trataram com acrimónia.

Quando negar aos outros o direito à liberdade de expressão, deixo de merecer a minha, e torno-me cúmplice da censura quando tolerar a orquestração que constrange ou impede a difusão do contraditório. Depois da borrasca, se houver, como penso, “depois”, vamos pagar a fatura e entrar na depressão que anula a euforia belicista.

A forma como são tratados os que divergem do pensamento único é o indicador do que nos espera. Não quero ver o mundo pelos olhos do sr. Milhazes ou dos que invadiram o Iraque. A paz não se defende com a visão unilateral dos blocos belicistas.

Fazendo jus ao título deste desabafo, deixo aqui um artigo de Soromenho Marques, no DN, lido no mural de Carlos Fino, notável jornalista que vale a pena acompanhar no Facebook: https://www.dn.pt/opiniao/derrota-mutua-assegurada-14626445.html

e outro de Vital Moreira no blogue Causa Nossa:

https://causa-nossa.blogspot.com/2022/02/contra-invasao-da-ucrania.html?fbclid=IwAR1xm03i12tnNWy5-_5Si7w94mJ5_DoPFrWADr1umer5k6Cbbxqnyd7fev4

Comentários

Jaime Santos disse…
Carlos Esperança, dou razão às opiniões que circulam no mundo ocidental:

- É verdade que a Ucrânia passou a ter a intenção de aderir à NATO, mas que me lembre a Aliança nunca disse que essa adesão estaria para breve

- Seria ridículo que a NATO cedesse à pressão russa para excluir um País terceiro de uma adesão futura, e se a Rússia deseja que a Ucrânia deixe cair essa pretensão, deveria negociá-la com Kiev

- Mais ridículo ainda seria que a Aliança aceitasse reduzir as tropas em Países a ela pertencentes a níveis dos anos 90 pressionada por um cerco militar a um País terceiro, que estava, pois, a ser usado como mero bargaining chip...

- A Ucrânia não cumpriu os acordos de Minsk, mas as regiões separatistas também não o fizeram, aliás a responsabilidade pelas 14.000 mortes ocorridas de 2014 para cá deve ser assacada a ambas as partes, não apenas a Kiev

- A Rússia alegou que a intervenção teve lugar por causa do genocídio dos povos do Donbas, mas não apresentou quaisquer provas consistentes sobre isso, a que se teria de seguir, naturalmente um inquérito para avalizar sobre as mesmas. Se eu não acreditei por um momento nas provas anglo-americanas sobre as ADM no Iraque, porque carga de água iria acreditar nas alegações russas

- Aliás, convém notar que a alegação de que Kiev prepararia um ataque aos russos do Donbass é completamente ridícula, os líderes ucranianos teriam de ser absolutamente néscios para o fazer com 200.000 russos às portas

- Mas mesmo admitindo que esse genocídio existia, a intervenção russa deveria ter sido limitada às regiões a proteger, em vez de se tratar de uma invasão em larga escala da Ucrânia. Os insultos de Putin à liderança ucraniana, chamando nazis (e drogados) a um Governo presidido por um judeu, são particularmente insidiosos vindos de um chefe de Estado que deveria comportar-se de forma respeitosa com o inimigo, com quem poderá ter de negociar amanhã

- Putin mentiu sucessivamente quando disse que não tinha qualquer intenção de atacar a Ucrânia, ataque que aliás viola o Direito Internacional e pode constituir um crime contra a Paz. O juramento de Nuremberga diz o seguinte:

"To initiate a war of aggression, therefore, is not only an international crime; it is the supreme international crime differing only from other war crimes in that it contains within itself the accumulated evil of the whole."

- A Rússia deveria perguntar-se por que razão os seus vizinhos correm todos para os braços de uma aliança que os russos consideram hostil (a resposta é patentemente clara desde a madrugada de Quinta-Feira e deve notar-se que se há poucos anos, apenas 19% dos finlandeses defendiam a adesão à NATO, hoje essa percentagem ultrapassa os 50%).

Se a Rússia afirma com razão que a segurança de uns não pode fazer-se à custa da de outros, então tem de estar preparada para fazer concessões e não apenas esperar que os seus vizinhos mais fracos abdiquem da possibilidade de se defenderem (o que a Rússia defende na prática é o direito a invadi-los se lhe der na real gana).

É que fazer tal coisa tem um nome, como bem disse o MNE em resposta ao João Oliveira, e chama-se imperialismo...

Tenho aliás ouvido alguns comentadores que no Passado defenderam de forma intransigente o Direito à Autodeterminação, utilizar agora o argumento de que, para preservar a Paz, é necessário que Estados mais fracos abdiquem dele. É um argumento absolutamente extraordinário, pois a sua consequência é que o mundo fica refém das superpotências.

A Rússia deveria estar, pois, preparada para dar garantias de segurança aos seus vizinhos e propor à NATO a redução, de parte a parte, dos armamento e tropas localizados de ambos os lados da fronteira, não procurar fazer valer as suas razões à lei da bala

- Finalmente, é de questionar a boa-fé de Putin (para sermos brandos) quando ele, de forma consistente, questiona o direito da Ucrânia de existir como Estado... Cabe, pois, perguntar se a sua vontade de negociar (sempre em posição de força) alguma vez existiu, especialmente quando agora ameaça usar armas nucleares...
Jaime Santos:

Agradeço o seu comentário, mas insisto em que devem ouvir-se ambas as partes. Se leu, como tenho a certeza, os factos referidos por Vital Moreira e Soromenho Marques, ambos longe de admirarem Putin, talvez devamos reconhecer que a verdade não está só de um lado.

Lamento que estejamos a viver com censura, à semelhança do que passa do outro lado.

A Ucrânia e a Rússia provocaram esta guerra de nacionalismos exacerbados de ambos os lados, ambos a aproximarem-se de uma extrema-direita nacionalista e antidemocrática. Este é o meu ponto de vista que não era claro no texto publicado.
Jaime Santos disse…
Sim, li ambos os autores e julgo que a NATO terá sido imprevidente ao abrir a porta a Países vizinhos da Rússia, mas parece-me que dada a situação da Crimeia e do Donbass, a adesão da Ucrânia estava na prática fora de questão, pelo que não existia de modo algum um perigo real para a Rússia de isso acontecer.

Simplesmente, Putin parece ter-se fartado de esperar que Zelenski cumprisse os acordos de Minsk (o que dependeria também da pacificação do Donbas para que se realizassem consultas populares) e decidiu forçar-lhe a mão, posteriormente invadindo em larga escala quando as suas pretensões não foram atendidas (ou porventura já seria esta a sua intenção, dada a opinião que tem quanto à legitimidade da Ucrânia em existir enquanto Estado).

Seja como for, iniciar uma guerra de agressão é criminoso e nunca seria uma solução. As restantes razões apresentadas pela Rússia, à falta de provas, são tão espúrias como as apresentadas pelos EUA para invadir o Iraque...
Jaime Santos

«Seja como for, iniciar uma guerra de agressão é criminoso e nunca seria uma solução.»

Concordo.

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