M. – O PR (10) – Um perfil escondido – Homenagem a João Salgueiro (6178 carateres)

Depois da agradável surpresa de um PR inteligente, culto e simpático, sucedendo a dez anos de um empedernido e azedo salazarista, Marcelo arruinou, no segundo mandato, a imagem do primeiro. Já gastou o cabedal de simpatia que mereceu.

A irrefreável tendência para comentar tudo, do futebol à política, da canoagem à poesia, das vacinas à economia, dos incêndios às inundações, das decisões políticas aos autores, dos OE à conduta das oposições, só se contém perante eventuais fugas de informação da sua Casa Militar, na decisão conjunta do PM e PR para a nomeação do alm. Gouveia e Melo para CEMA, e, enquanto pôde, sobre notícias de pedofilia eclesiástica.

Ao contrário dos beija-mãos ao Papa e aos bispos, exibe uma postura arrogante com os políticos, quiçá ressabiado da derrota na Câmara de Lisboa, do epíteto de Balsemão e das acusações deste, de ser delator das decisões dos Conselhos de Ministros para os media, mestre na intriga e na dissimulação, nas pretensas idas à casa de banho.

O homem que chamou Lelé da Cuca ao dono do semanário que o nomeou diretor, para se desculpar com um teste aos revisores e lhe revelar, depois, que o considerava como pai, é quem escreveu a Marcelo Caetano o elogiá-lo: “Como Vossa Excelência apontou, Aveiro representou, um pouco mais do que seria legítimo esperar, uma expressão política da posição do PC e o esbatimento das veleidades «soaristas»1.

É ainda o mesmo que na entrevista telefónica à jornalista Alexandra Tavares-Teles, na revista Notícias Magazine, recordando, ‘como viveu o 25 de Abril’, refere a resposta que deu ao pai, influente ministro da ditadura, depois de este lhe ter dito que Marcelo Caetano lhe garantira que vinham a caminho de Lisboa tropas fiéis ao governo: «Disse-lhe o que sabia. ‘Não, pai, não vêm forças nenhumas, não pensem nisso, isto está a correr rapidamente. Acabou.’». E, quando a jornalista lhe perguntou: «De onde vinha essa certeza?», respondeu com aquela candura que usa na intriga e nos afetos:

- O António Reis [militante e dirigente político ligado ao PS] tinha-me avisado da proximidade do 25 de Abril com alguma precisão. E embora o meu pai fosse dos membros do governo teoricamente mais bem informados, percebi, naquele momento, que, de facto, estava muito pouco informado. Penso que ele terá transmitido a informação a Marcello Caetano e que este terá respondido: “Esse Marcelo Nuno só traz más notícias. Isso são coisas do contra». 2

Não sei o que mais admirar, se a insensatez do jovem político António Reis, a devoção filial de Marcelo ao ministro fascista, a denúncia da Revolução ao Governo ou a traição à (in)confidência do amigo. Aliás, era interessante saber quando foi «aquele momento», o da indiscrição de António Reis a Marcelo Nuno e o da delação ao governo, através do [pai] ministro de Caetano. Felizmente, Marcelo Caetano não o levava a sério.

Marcelo não é só o hipócrita que, na apoteose da fé, deixou numa cama o sacramento do matrimónio indissolúvel e levou para outra as hormonas e o adultério3. Foi também, e é, o artífice das soluções mais reacionárias que a direita democrática tomou em Portugal.

Foi contra o SNS, lutando depois contra a universalidade, alegando o seu caso, injusto, pois podia e devia pagar a saúde, e tinha direito à gratuitidade. Com Guterres pensou o referendo que atrasou a legislação que aprovou a despenalização da IVG. Este Marcelo, que lava mais branco o passado do que qualquer detergente as nódoas, é o mesmo cujos preconceitos pios preferiam a morte de mulheres cuja vida perigasse com a gravidez, a gestação obrigatória das vítimas de violação e das grávidas de um feto teratogénico.

Esteve sempre, nos costumes, do lado mais reacionário, tal como na política. Veja-se:

Marcelo Rebelo de Sousa, José Miguel Júdice, Santana Lopes, Manuel Durão Barroso e António Pinto Leite surgiram no início de 1984, organizados, para fazerem regressar ao poder, por via democrática, a velha política, sob o pseudónimo de “Nova Esperança”, e foram decisivos em dois congressos do PSD, em 1984 [Braga] derrotando Mota Amaral com Mota Pinto e, especialmente, em 1985 [Figueira da Foz], na improvável ascensão à liderança partidária do obscuro salazarista Cavaco Silva, derrotando João Salgueiro que, hoje, na sua morte, considerou “ um dos seus [de Portugal] mais brilhantes economistas da segunda metade do século XX” e, no seu pungente lamento, carregado de hipocrisia, esqueceu que foi um dos mais responsáveis, com assinaturas falsas de Alberto João Jardim e da ala mais reacionária do PPD /PSD, pela sua substituição por Cavaco.

Marcelo não foi apenas líder do PSD, foi sempre o defensor das posições que são hoje minoritárias na sociedade portuguesa, por mais anestesiada e aturdida que se encontre.

Depois de dez anos de Cavaco, a reintegrar pides e a gozar os pingues fundos europeus conseguidos com a adesão à UE por Mário Soares, podia pensar-se que Marcelo teria o remorso cristão e democrático, e reincidiu na vivenda de Ricardo Salgado, juntando ao casal do anfitrião, o seu, o de Durão Barroso e o de Cavaco, para preparar a primeira candidatura vitoriosa de Cavaco a PR.

Nunca ninguém o confrontou sobre a posição que tomou quando Eanes defrontou o gen. Soares Carneiro, ex-diretor do presídio colonial de S. Nicolau e que, após a derrota, em afronta aos militares de Abril, Cavaco reintegrou no ativo e promoveu a CEMGFA. Foi essa afronta à democracia e à legalidade que levou o PR Marcelo a atribuir a Cavaco o mais elevado grau da Ordem da Liberdade? Foi uma ofensa aos mártires da ditadura.

Marcelo, que aceitou ser presidente da Fundação Casa de Bragança, saberia que o cargo era incompatível com a ética republicana e a presidência da República? Pode agradar à populaça, mas não serve a democracia.

Tenho por este PR o respeito mínimo a que o Código Penal me obriga; julgo-o capaz de quase tudo e com uma agenda perigosa. Vejo nele um perturbador da governabilidade e das relações interpartidárias, por obsessão dele e não por desconfiança minha.

É preciso avisar a malta! É urgente impedir a presidencialização do regime parlamentar através do PR que se imiscui na exclusiva responsabilidade do Governo pela condução política do País e na do PM na condução do Governo.

A CRP obriga o PR a respeitá-la e a defendê-la, o que não faz. O que a CRP não obriga é um cidadão a acreditar no PR, na honorabilidade da sua agenda privada, na brancura do seu passado, na honradez da sua palavra ou na isenção dos seus julgamentos.

Às vezes tenho a vaga impressão, talvez injusta, de que o Palácio de Belém pode ser, à semelhança do que acontece no Brasil, no Palácio do Planalto, habitado por mesquinhos inquilinos que são incompatíveis com a verdade, independentemente do sufrágio que lhes abre as portas.

1 (in «Cartas Particulares a Marcello Caetano», organização e seleção de José Freire Antunes, vol. 2, Lisboa, 1985, p. 353 via Abril de Novo Magazine)

2 (In Notícias Magazine, 22 de abril de 2018, pág. 20, 3.ª coluna).

3 Vocábulo da linguagem pia.

Apostila – Divulgo hoje, de novo, este perfil escondido de M. – O PR, revoltado com a sua hipocrisia em que omite que foi ele um dos maiores responsáveis pela substituição de “um dos seus [de Portugal] mais brilhantes economistas da segunda metade do século XX” pelo obscuro e salazarista Cavaco Silva a quem concedeu o grau máximo da Ordem da Liberdade.


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