Um Papa com Dimensão Humana 

e Humanitária

Texto de Onofre Varela


O Papa Francisco I, enquanto figura pública, religiosa e política, é o monarca do Estado da Cidade do Vaticano – uma Monarquia Absoluta Electiva Teocrática –, entidade territorial murada que se encontra dentro da cidade de Roma. Com uma população estimada em cerca de mil habitantes, existe desde 1929 e é o estado mais pequeno do mundo.

Enquanto chefes de uma associação de crentes, os Papas assumem uma atitude endeusada, talvez imbuídos da pretensão de serem os “representantes de Deus na Terra”, e tempos houve em que exerciam a Ditadura Eclesiástica exigindo ser adorados por todos, representando a entidade máxima da Europa católica, coroando reis que lhes obedeciam religiosamente.

A História conta-nos muitas malfeitorias protagonizadas por Papas que tinham comportamento social deplorável. Houve papas que sodomizavam criados, possuíam concubinas, mandavam matar os seus rivais e sofriam atentados dos maridos das suas amantes. As prostitutas clericais Marozia e suas filhas, amantes de 12 Papas, desde o ano 904 até 963, escrevem páginas condenáveis na História da Igreja Católica (A História Negra dos Papas – Perversões, assassínios e Corrupção no Vaticano. Leya/Oficina do Livro, 2012).

Perante este passado da Igreja, repercutido no presente (os crimes sexuais existem dentro dela e destroem vidas) sinto admiração pelo Papa Francisco I. 

Sou um ateu que aplaude as atitudes humanas do clérigo argentino Jorge Mário Bergoglio no desempenho do seu papel de Papa no elenco do Teatro do Vaticano que é a Santa Sé.

A sua intenção de acolher “todos, todos, todos” dentro da Igreja, agregando nesse colectivo: divorciados, gays, lésbicas e todos os mal nascidos e perseguidos socialmente, é atitude só possível a quem possui estatuto humano superior. 

Aquela frase recentemente proferida numa reunião (e não era suposto ter sido tornada pública), que “não queria bichas na Igreja”… não invalida o que disse anteriormente. Apenas sublinha a sua dimensão humana… tal como foi a sua acção de bater na mão de uma turista que, na Praça de S. Pedro, queria, por força, tocar-lhe. 

Os homens não são perfeitos, e Francisco I mostra ser homem, e não um boneco endeusado como sempre foram apresentados os Papas através dos séculos.

Há cerca de uma semana, Mário Bergoglio tornou a mostrar a sua humanidade desfasada (felizmente) das acções dos seus antecessores: recebeu uma centena de actores e humoristas, de entre os quais se contavam artistas de Portugal: Maria Rueff, Joana Marques e Ricardo Araújo Pereira. Esta atitude remeteu-me para outras acções contrárias, profundamente negativas, da mesma Igreja quando presidida por outros Papas.

Herman José é um actor cómico de excelência reconhecida. Em 1994 teve um programa no canal 1 da RTP, denominado Herman Zap!, de grande audiência e agrado nacional. Um dia, nas suas rábulas, criou uma Última Ceia de Jesus, humorística. Caiu o Carmo e a Trindade!… 

A Igreja Católica não achou piada ao seu excelente trabalho, e protestou. O bispo Maurílio Gouveia, então responsável pelo gabinete “Episcopado para a Comunicação”, apressou-se a dizer que “O programa ridicularizou o que há de mais sagrado na fé dos cristãos: a eucaristia”. 

A série de programas foi interrompida e realizaram-se mesas redondas debatendo a questão religiosa e a liberdade de expressão, como se fosse uma tragédia nacional e não houvesse nada de mais grave para ocupar o tempo e gastar a energia dos deputados no Parlamento!…

Marcelo Rebelo de Sousa (então presidente do PPD), em entrevista televisiva, perguntado como via o escândalo da Igreja sobre o programa Herman Zap!, respondeu na sua condição de crente e não de político nem de homem de cultura: “Vejo com preocupação; sendo um canal de serviço público, [nele] se encontrem mensagens que podem ser consideradas ofensivas de valores partilhados pela maioria dos portugueses e também ofensivas de instituições particularmente relevantes como é a Igreja Católica”.

Herman José mostrou-se surpreendido pela reacção da Igreja e declarou: “Deus deve estar a rir-se às gargalhadas da mesquinhez de quem criticou o Herman Zap!”

Numa das várias mesas redondas onde se tratou aquele programa, o frade Bento Domingues teve a reacção mais honesta de quantas ouvi. Declarou ter visto o programa e não ter encontrado nele nada que beliscasse a sua fé. Até lhe achou graça, confessou: “Aquilo tinha a ver com o meu riso, não com a minha fé”.

Movidos pela mesma mesquinhez religiosa dos católicos, os extremistas islâmicos ampliam-na, superando os católicos nos seus actos desrespeitadores de quem produz humor, assassinando cidadãos que detêm uma qualidade de raciocínio bastante superior àquela que, aos fundamentalistas, calhou no refugo da educação religiosa (da má-educação-religiosa). 

No dia 7 de Janeiro de 2015, um comando extremista islâmico entrou nas instalações do jornal satírico Charlie Hebdo, em Paris, e matou a tiro 12 pessoas e feriu 11. Os mortos eram meus colegas, jornalistas-cartunistas que ilustravam o jornal.

Em 25 de Dezembro de 2019, a sede do grupo brasileiro produtor de conteúdos para televisão, Porta dos Fundos, foi alvo de um ataque com cocktails Molotov como protesto pela transmissão televisiva de um sketch no dia 3 de Dezembro – incluído num programa especial de Natal – com o título A primeira tentação de Cristo. O próprio filho do, então, presidente Bolsonaro, deputado por São Paulo, foi uma das figuras públicas a condenar o grupo de teatro e a desculpar os terroristas.

Um dia depois do atentado, um grupo ultra-nacionalista, auto-intitulado Comando de Insurgência Popular Nacionalista da Grande Família Integrista Brasileira, reivindicou ter sido o autor do acto terrorista. O espírito que sobressai do nome deste grupo leva-me a entendê-lo como uma espécie de Ku-Klux-Klan e de agrupamento Nazi, do pior que a espécie humana é capaz de criar.

Das actividades que exerci em palco, a nível amador, conta-se a Stand up Comedy. Quando iniciei a modalidade, no início da década de 1960 (há mais de 60 anos), ela ainda não existia com essa designação. Nos espectáculos em que participei, por pudor nunca contei piadas alusivas à religião. Mas ouvia dos meus colegas anedotas mencionando Deus e Jesus Cristo de um modo tão rude, que eu, enquanto ateu, seria incapaz de o fazer por respeito aos crentes. 

O curioso desta observação é que os actores que tinham tais discursos… eram crentes!… E sabiam separar o seu sentimento religioso interior, das palavras que lhes saiam da boca em palco, as quais nada tinham a ver com a sua crença nem com os seus sentimentos mais profundos… aquilo era, apenas, o seu riso e o seu trabalho!…

O próprio Jesus Cristo era um humorista de gabarito, embora os Evangelhos não o refiram… (mas também não referem que ele respirava!). Na verdade… transformar água em vinho da melhor qualidade, como alegadamente fez nas bodas de Caná (João 2: 1-11), sem usar uvas… apenas água!… Não sendo magia… só pode ser humor!…




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