A prisão do Patacho (Crónica)
Corria o Ano da Graça de 1961. A Covilhã vivia mais uma crise dos lanifícios daquelas que ciclicamente lhe batiam à porta e que atirava inúmeros operários para o desemprego e os fazia regressar às aldeias de origem a que tinham ficado vinculados pela courela que sempre teimaram em amanhar nos dias de folga.
Os carros de luxo eram o mais evidente sinal exterior de riqueza que camuflava a falência que se avizinhava na fábrica do proprietário. O jogo era a perdição de muitos e o sonho de riqueza nunca realizado de quase todos. Pululavam os casinos clandestinos onde se perdiam fortunas e aconteciam desgraças cujo eco chegava às conversas sussurradas em surdina no Largo do Pelourinho e no Café Montalto.
A polícia era comandada por um tenente. Chamava-se Gaspar e era tão estúpido que até o capitão, seu superior hierárquico em Castelo Branco, notava. Cabia-lhe defender a ordem, vigiar a oposição e prender comunistas. Não era uma besta perfeita porque não há ninguém perfeito. Quanto aos Dons do Espírito Santo minguaram-lhe os dois primeiros – sabedoria e entendimento – tanto quanto lhe sobraram os dois últimos – piedade e temor de Deus. Creio que a estes últimos Dons, ou qualidades como é uso dizer-se em linguagem profana, devia a afeição do Padre Morgadinho, um delator compulsivo que se julgava o braço armado da Senhora de Fátima.
Pela Pousadinha, Borralheira e Lameirão, localidades que ligavam a Covilhã a Aldeia do Carvalho, pululavam legiões de jovens mulheres dedicadas à mais antiga profissão do mundo. Mas eram apenas uma ou duas dúzias, com nome conhecido na praça, que todas as noites se prontificavam a entrar nos carros e seguir para os bordéis ao ar livre, à beira das estradas ou em plena serra da Estrela. Garotos em idade escolar estabeleciam o contacto entre os ocupantes dos carros e essas mulheres cujo preço sabiam de cor e cujo sucesso de intermediação lhes garantia uma moeda de dez tostões.
A polícia não interferia em assuntos de prostituição. Tinha tolerância pelas mulheres, não por elas, pobres desavergonhadas, mas por respeito aos homens, tantas vezes de posição e família constituída, algumas vezes respeitados funcionários públicos e até o prior da paróquia de Santa Maria que não seria assisado incomodar.
Cabia-lhe, isso sim, vigiar os que conspiravam contra a ordem instituída pela Constituição Política de 1933, os que murmuravam contra o Sr. Presidente do Conselho ou ridicularizavam Sua Excelência o Presidente da República, pseudónimo usado por Américo Tomás, vestido habitualmente de Almirante e autor de numerosos e divertidos discursos de improviso. Tinha obrigação de descobrir comunistas, operários com veleidades de greves, ouvintes da Rádio Argel e adversários da guerra que os inimigos da Pátria a soldo de Moscovo teimavam em contestar.
O Trinta e Cinco e o Vinte e Três eram os dois agentes, sempre vestidos à paisana, a quem cabia vigiar os intelectuais, epíteto depreciativo com que o Tenente Gaspar designava os presumíveis oposicionistas que, entre outros hábitos pouco recomendáveis, liam jornais, em regra o Primeiro de Janeiro e, cúmulo da imoralidade, até o República, órgão que diariamente saía atenuado pela Comissão de Censura mas onde, mesmo assim, se vislumbrava pouco apreço pelo Homem que a Providência designara para dirigir os destinos de Portugal e a quem se devia a construção de pontes, viadutos, fontanários e lavadoiros com que o Estado Novo enriquecia o País.
A estes dois polícias se devia a apreensão de panfletos, jornais clandestinos e seus imprudentes portadores que, em vez de terem o trabalho como política, ansiavam por ver o destino da Pátria noutras mãos diferentes das de quem salvara o País da 2ª. Grande Guerra, de quem defendia Deus, a Pátria e a Família, de quem nos livrava do comunismo e da acção deletéria das associações secretas que na primeira república se dedicavam à divulgação de ideias subversivas.
Houve nesse ano eleições para a Assembleia Nacional e logo apareceram indivíduos, que de portugueses só tinham o nome, a pretenderem aproveitar a ocasião para desmoralizarem a juventude, para se oporem aos superiores interesses nacionais, para contestarem a patriótica acção do Dr. Salazar, para levarem a cabo a tarefa de agitação e propaganda com que queriam minar o Estado e corromper a Nação. Felizmente o Tenente Gaspar, o Sr. Padre Morgadinho e muitos outros estavam vigilantes. O Dr. Ranito Baltazar que – dizia-se – era um Presidente da Câmara muito simpático quando estava Baltazar mas insuportável nos dias em que era Ranito, havia de dizer num discurso proferido depois das eleições, entre dois partos – ele era também médico obstetra – que a ordem tinha sido mantida, a obra de ressurgimento nacional havia de continuar e os inimigos da Pátria não passariam, afirmações que o Jornal do Fundão silenciara mas a que os jornais paroquiais deram o devido relevo, declarações aliás referidas por quase todos os jornais do País embora de diferentes Presidentes da Câmara.
De facto a Oposição, a avaliar pelos jornais, rádio e televisão, não existia. Mas sabia-se que, apesar da patriótica acção da censura, da cuidada vigilância policial, do entusiástico apoio do clero, pululavam fora de Caxias, Peniche e outros centros de reeducação, inimigos íntimos do regime.
Ainda se não tinham apagado os ecos dum discurso que em Lisboa galvanizara as hostes da União Nacional – discurso em que um ministro terminara, por entre intermináveis aplausos e manifestações de apreço, com uma frase memorável “quem não é por nosco é contra nosco”, lapsus linguae de que a multidão se não deu conta, aturdida com o fervor nacionalista despertado por entre vivas a Salazar e morte aos comunistas, já os suspeitos do costume voltavam a conspirar.
O Padre Morgadinho, a quem o Teixeirinha, Presidente da Câmara socialista depois do 25 de Abril, haveria de outorgar a medalha de ouro da cidade, vá lá saber-se porquê, andava numa azáfama a descobrir comunistas. Os seus sermões eram dum fervor nacionalista que só não enriqueceram a parenética portuguesa por lhes ter faltado em recorte literário o que lhes sobrava em entusiasmo persecutório, em devoção religiosa e proselitismo político. De resto, este padre católico, benevolentemente designado por santo asno, bem sabia que os interesses de Deus e os de Salazar eram coincidentes, pensamento que compartilhava com o irmão, agente da PIDE em Castelo Branco, a quem com frequência informava do aparecimento de novos comunistas.
Havia de ficar célebre o discurso que viria a fazer na sequência de uma manifestação espontânea, para a qual a Câmara se engalanara, durante a semana anterior, contra a ocupação da nossa querida Índia pelo pandita Neru. Foi tal o seu entusiasmo que, da varanda da Câmara, acompanhado do Presidente, Vereadores e restantes autoridades civis, militares e religiosas, até admoestou as pessoas que estavam no Café Montalto por não estarem de pé, no Largo do Pelourinho ali em frente, a ouvir a sua voz, gritada pelos altifalantes, cujo som percorria a cave, o rés do chão e o primeiro andar do referido Café. Não se esqueceu no seu discurso de perguntar por que razão não iam essas pessoas à procissão que logo a seguir se realizaria a caminho do Refúgio onde havia uma Santa de provas dadas e prestígio consagrado a cuja intercessão as forças vivas iriam apelar para que nos devolvesse a nossa querida Índia, isto é, Goa, Damão e Diu.
Ainda hoje penso que à falta de ouvido da dita Santa, à pouca convicção dos créus, ou insuficiência das orações se deve o fracasso do pedido que teve o efeito demolidor de prenunciar o fim do Império.
A verdade é que depois da agitação que os inimigos do regime fizeram naqueles trinta dias que precederam a eleição dos deputados da União Nacional que quase 100% dos eleitores haviam de sufragar, muitos mortos incluídos, em recenseamento cuidadosamente expurgado de comunistas e outros traidores que não mereciam a Pátria que os nossos maiores nos legaram, a verdade – dizia – é que nunca mais deixaram de multiplicar-se os inimigos que nem as forças da ordem nem o Sr. Padre Morgadinho puderam impedir.
A Covilhã era terreno fértil para as ideias deletérias. O operariado não era de confiança e, mesmo entre ingratos funcionários a quem o Estado garantia o pão, entre as profissões liberais e assinantes do Jornal do Fundão, entre professores da Escola Industrial, do Liceu e do Colégio, particularmente o seu Director Dr. Castro Martins, havia inimigos do Senhor Professor de Santa Comba e do Senhor Cardeal Cerejeira.
O Dr. Raposo de Moura, um advogado infelizmente muito respeitado, reunia à sua volta uma série de amigos que resistiam aos bons conselhos que o Tenente Gaspar lhes dava quando resolvia mandar o Trinta e Cinco ou o Vinte e Três buscá-los à hora de encerramento do Café Montalto, à uma da manhã, e pacientemente lhes fazia ver os inconvenientes de tão prejudicial companhia para o seu futuro e a sua segurança, conselhos que pacientemente repetia a nível individual, até de manhã, reiteradas vezes, num desvelo que bem merecia melhor compreensão e agradecimento.
A polícia, para prevenir a agitação que se pressentia, começou a fazer prisões. Uma noite foi buscar o Patacho a casa. Pese embora o facto de ser um homem bom, a verdade é que ele não partilhava dos valores que Sua Excelência o Presidente do Conselho se esforçava por difundir com a ajuda do Tenente Gaspar, padre Morgadinho e outras almas piedosas que lhe era devotadas.
Acontece que o Patacho tinha a amizade do Dr. Raposo de Moura que gozava do respeito do Presidente da Câmara. A qualidade de advogado era de pouca valia nos crimes políticos e crime político era todo o pensamento que se exprimia sem respeito pelos valores de que o Estado era o único guardião e intérprete. Mesmo assim o Presidente da Câmara recebeu-o. Perguntou-lhe o ilustre advogado qual a razão por que tinha sido preso, embora soubesse que o Padre Morgadinho já tinha ido dizer que o Patacho era comunista.
Respondeu-lhe o Dr. Ranito Baltazar: - Sim, sim. Mas desta vez não foi só o Padre Morgadinho.
Os carros de luxo eram o mais evidente sinal exterior de riqueza que camuflava a falência que se avizinhava na fábrica do proprietário. O jogo era a perdição de muitos e o sonho de riqueza nunca realizado de quase todos. Pululavam os casinos clandestinos onde se perdiam fortunas e aconteciam desgraças cujo eco chegava às conversas sussurradas em surdina no Largo do Pelourinho e no Café Montalto.
A polícia era comandada por um tenente. Chamava-se Gaspar e era tão estúpido que até o capitão, seu superior hierárquico em Castelo Branco, notava. Cabia-lhe defender a ordem, vigiar a oposição e prender comunistas. Não era uma besta perfeita porque não há ninguém perfeito. Quanto aos Dons do Espírito Santo minguaram-lhe os dois primeiros – sabedoria e entendimento – tanto quanto lhe sobraram os dois últimos – piedade e temor de Deus. Creio que a estes últimos Dons, ou qualidades como é uso dizer-se em linguagem profana, devia a afeição do Padre Morgadinho, um delator compulsivo que se julgava o braço armado da Senhora de Fátima.
Pela Pousadinha, Borralheira e Lameirão, localidades que ligavam a Covilhã a Aldeia do Carvalho, pululavam legiões de jovens mulheres dedicadas à mais antiga profissão do mundo. Mas eram apenas uma ou duas dúzias, com nome conhecido na praça, que todas as noites se prontificavam a entrar nos carros e seguir para os bordéis ao ar livre, à beira das estradas ou em plena serra da Estrela. Garotos em idade escolar estabeleciam o contacto entre os ocupantes dos carros e essas mulheres cujo preço sabiam de cor e cujo sucesso de intermediação lhes garantia uma moeda de dez tostões.
A polícia não interferia em assuntos de prostituição. Tinha tolerância pelas mulheres, não por elas, pobres desavergonhadas, mas por respeito aos homens, tantas vezes de posição e família constituída, algumas vezes respeitados funcionários públicos e até o prior da paróquia de Santa Maria que não seria assisado incomodar.
Cabia-lhe, isso sim, vigiar os que conspiravam contra a ordem instituída pela Constituição Política de 1933, os que murmuravam contra o Sr. Presidente do Conselho ou ridicularizavam Sua Excelência o Presidente da República, pseudónimo usado por Américo Tomás, vestido habitualmente de Almirante e autor de numerosos e divertidos discursos de improviso. Tinha obrigação de descobrir comunistas, operários com veleidades de greves, ouvintes da Rádio Argel e adversários da guerra que os inimigos da Pátria a soldo de Moscovo teimavam em contestar.
O Trinta e Cinco e o Vinte e Três eram os dois agentes, sempre vestidos à paisana, a quem cabia vigiar os intelectuais, epíteto depreciativo com que o Tenente Gaspar designava os presumíveis oposicionistas que, entre outros hábitos pouco recomendáveis, liam jornais, em regra o Primeiro de Janeiro e, cúmulo da imoralidade, até o República, órgão que diariamente saía atenuado pela Comissão de Censura mas onde, mesmo assim, se vislumbrava pouco apreço pelo Homem que a Providência designara para dirigir os destinos de Portugal e a quem se devia a construção de pontes, viadutos, fontanários e lavadoiros com que o Estado Novo enriquecia o País.
A estes dois polícias se devia a apreensão de panfletos, jornais clandestinos e seus imprudentes portadores que, em vez de terem o trabalho como política, ansiavam por ver o destino da Pátria noutras mãos diferentes das de quem salvara o País da 2ª. Grande Guerra, de quem defendia Deus, a Pátria e a Família, de quem nos livrava do comunismo e da acção deletéria das associações secretas que na primeira república se dedicavam à divulgação de ideias subversivas.
Houve nesse ano eleições para a Assembleia Nacional e logo apareceram indivíduos, que de portugueses só tinham o nome, a pretenderem aproveitar a ocasião para desmoralizarem a juventude, para se oporem aos superiores interesses nacionais, para contestarem a patriótica acção do Dr. Salazar, para levarem a cabo a tarefa de agitação e propaganda com que queriam minar o Estado e corromper a Nação. Felizmente o Tenente Gaspar, o Sr. Padre Morgadinho e muitos outros estavam vigilantes. O Dr. Ranito Baltazar que – dizia-se – era um Presidente da Câmara muito simpático quando estava Baltazar mas insuportável nos dias em que era Ranito, havia de dizer num discurso proferido depois das eleições, entre dois partos – ele era também médico obstetra – que a ordem tinha sido mantida, a obra de ressurgimento nacional havia de continuar e os inimigos da Pátria não passariam, afirmações que o Jornal do Fundão silenciara mas a que os jornais paroquiais deram o devido relevo, declarações aliás referidas por quase todos os jornais do País embora de diferentes Presidentes da Câmara.
De facto a Oposição, a avaliar pelos jornais, rádio e televisão, não existia. Mas sabia-se que, apesar da patriótica acção da censura, da cuidada vigilância policial, do entusiástico apoio do clero, pululavam fora de Caxias, Peniche e outros centros de reeducação, inimigos íntimos do regime.
Ainda se não tinham apagado os ecos dum discurso que em Lisboa galvanizara as hostes da União Nacional – discurso em que um ministro terminara, por entre intermináveis aplausos e manifestações de apreço, com uma frase memorável “quem não é por nosco é contra nosco”, lapsus linguae de que a multidão se não deu conta, aturdida com o fervor nacionalista despertado por entre vivas a Salazar e morte aos comunistas, já os suspeitos do costume voltavam a conspirar.
O Padre Morgadinho, a quem o Teixeirinha, Presidente da Câmara socialista depois do 25 de Abril, haveria de outorgar a medalha de ouro da cidade, vá lá saber-se porquê, andava numa azáfama a descobrir comunistas. Os seus sermões eram dum fervor nacionalista que só não enriqueceram a parenética portuguesa por lhes ter faltado em recorte literário o que lhes sobrava em entusiasmo persecutório, em devoção religiosa e proselitismo político. De resto, este padre católico, benevolentemente designado por santo asno, bem sabia que os interesses de Deus e os de Salazar eram coincidentes, pensamento que compartilhava com o irmão, agente da PIDE em Castelo Branco, a quem com frequência informava do aparecimento de novos comunistas.
Havia de ficar célebre o discurso que viria a fazer na sequência de uma manifestação espontânea, para a qual a Câmara se engalanara, durante a semana anterior, contra a ocupação da nossa querida Índia pelo pandita Neru. Foi tal o seu entusiasmo que, da varanda da Câmara, acompanhado do Presidente, Vereadores e restantes autoridades civis, militares e religiosas, até admoestou as pessoas que estavam no Café Montalto por não estarem de pé, no Largo do Pelourinho ali em frente, a ouvir a sua voz, gritada pelos altifalantes, cujo som percorria a cave, o rés do chão e o primeiro andar do referido Café. Não se esqueceu no seu discurso de perguntar por que razão não iam essas pessoas à procissão que logo a seguir se realizaria a caminho do Refúgio onde havia uma Santa de provas dadas e prestígio consagrado a cuja intercessão as forças vivas iriam apelar para que nos devolvesse a nossa querida Índia, isto é, Goa, Damão e Diu.
Ainda hoje penso que à falta de ouvido da dita Santa, à pouca convicção dos créus, ou insuficiência das orações se deve o fracasso do pedido que teve o efeito demolidor de prenunciar o fim do Império.
A verdade é que depois da agitação que os inimigos do regime fizeram naqueles trinta dias que precederam a eleição dos deputados da União Nacional que quase 100% dos eleitores haviam de sufragar, muitos mortos incluídos, em recenseamento cuidadosamente expurgado de comunistas e outros traidores que não mereciam a Pátria que os nossos maiores nos legaram, a verdade – dizia – é que nunca mais deixaram de multiplicar-se os inimigos que nem as forças da ordem nem o Sr. Padre Morgadinho puderam impedir.
A Covilhã era terreno fértil para as ideias deletérias. O operariado não era de confiança e, mesmo entre ingratos funcionários a quem o Estado garantia o pão, entre as profissões liberais e assinantes do Jornal do Fundão, entre professores da Escola Industrial, do Liceu e do Colégio, particularmente o seu Director Dr. Castro Martins, havia inimigos do Senhor Professor de Santa Comba e do Senhor Cardeal Cerejeira.
O Dr. Raposo de Moura, um advogado infelizmente muito respeitado, reunia à sua volta uma série de amigos que resistiam aos bons conselhos que o Tenente Gaspar lhes dava quando resolvia mandar o Trinta e Cinco ou o Vinte e Três buscá-los à hora de encerramento do Café Montalto, à uma da manhã, e pacientemente lhes fazia ver os inconvenientes de tão prejudicial companhia para o seu futuro e a sua segurança, conselhos que pacientemente repetia a nível individual, até de manhã, reiteradas vezes, num desvelo que bem merecia melhor compreensão e agradecimento.
A polícia, para prevenir a agitação que se pressentia, começou a fazer prisões. Uma noite foi buscar o Patacho a casa. Pese embora o facto de ser um homem bom, a verdade é que ele não partilhava dos valores que Sua Excelência o Presidente do Conselho se esforçava por difundir com a ajuda do Tenente Gaspar, padre Morgadinho e outras almas piedosas que lhe era devotadas.
Acontece que o Patacho tinha a amizade do Dr. Raposo de Moura que gozava do respeito do Presidente da Câmara. A qualidade de advogado era de pouca valia nos crimes políticos e crime político era todo o pensamento que se exprimia sem respeito pelos valores de que o Estado era o único guardião e intérprete. Mesmo assim o Presidente da Câmara recebeu-o. Perguntou-lhe o ilustre advogado qual a razão por que tinha sido preso, embora soubesse que o Padre Morgadinho já tinha ido dizer que o Patacho era comunista.
Respondeu-lhe o Dr. Ranito Baltazar: - Sim, sim. Mas desta vez não foi só o Padre Morgadinho.
Comentários
Só pode!!!
Enquanto a memória da opressão for comum aos vários quadrantes ideológicos, a vacina continuará válida.
Obrigado pelo comentário.