Auditoria “popular” da dívida externa…

Está em marcha uma petição com a finalidade de proceder a uma auditoria à dívida pública portuguesa, com ampla participação da sociedade civil link.

Não se trata de uma iniciativa inédita. Na Grécia, em Maio passado link, foi constituída uma comissão integrando membros da comunidade científica, política, sindical e de cidadãos, visando uma “auditoria democrática” à dívida. Na Irlanda, também em Maio, foi lançado um processo idêntico sob a coordenação da AFRI (Action for Ireland), da DDCI (Debt and Development Coalition Ireland – congregando 90 associações) e do UNITE (maior organização sindical irlandesa) link, num projecto financiado pela sociedade civil e que publicará resultados ainda este mês. Maio foi -durante o desenvolvimento da crise política portuguesa - o mês em que, pela Europa, se questionou a questão da dívida externa link.

No passado, na América Latina (Brasil link, Uruguai e Equador link ), desenvolveram-se projectos idênticos sob a designação de “auditorias cidadãs”.

Esta auditoria a realizar em Portugal será – antes de tudo - um passo necessário para um cabal e didáctico esclarecimento da opinião pública e para a “desmontagem” de conceitos tecnocráticos e de ditakts opacos oriundos dos “mercados”. Funcionará como um instrumento de intervenção política que – na actual situação – tenha em conta os problemas (e interesses) dos países devedores que, como estamos a assistir, se repercutem transversalmente na sociedade.
Deverá, ainda, funcionar como uma medida cautelar – na ausência de um plano B da UE link – para prevenir “surpresas” a médio prazo (eventual necessidade de reestruturação da dívida).
Hoje, os portugueses comentam muito a dívida externa mas a sua contabilização e os mecanismos de acumulação não são claros, nem transparentes (Parcerias Público-Privadas; Empresas Públicas; Entidades Públicas Empresariais, etc.) e um número cada vez mais volumoso de gestores e economistas nacionais e estrangeiros prevêem um quadro de reestruturação. A justificação de que desde há muito vivemos acima das nossas possibilidades terá algum fundo de verdade, mas não é toda a verdade...

Finalmente, a questão da responsabilização política pelas medidas [ou ausência delas] económicas e financeiras que acabaram por desembocar em avultados endividamentos, estiveram fora do controlo dos cidadãos. Aqui, surge o exemplo da Islândia, neste momento a julgar o ex-primeiro ministro Geeir Haarde acusado de negligência link. Esta atitude do parlamento islandês lançou na sociedade civil dos países europeus a velha questão da responsabilidade política dos cidadãos que ocupam (ou ocuparam) cargos no Estado.

Portanto, este tipo de petições públicas é um procedimento comum aos países da UE - sob intervenção externa - que envolvendo a sociedade civil, acabam por ter uma projecção político-social importante e constituiem uma meritória acção de cidadania, com carácter didático. Uma iniciativa oportuna.

Texto da petição portuguesa:

Apelo a Iniciativa Unitária por uma Auditoria à Dívida Portuguesa

A austeridade e as medidas de privatização pressionam em primeiro lugar os mais pobres, enquanto as “ajudas” são para quem está na origem da crise. Se as medidas de austeridade anti-popular não forem postas em causa, terão um impacte considerável na Europa durante muitos anos, modificando de forma drástica a relação de forças em favor do capital e em prejuízo do trabalho.
A auditoria da dívida é um passo concreto em direcção à justiça em matéria de endividamento. As auditorias da dívida com participação da sociedade civil e do movimento dos trabalhadores permitem determinar que partes da dívida são ilegais, ilegítimas, odiosas ou simplesmente insustentáveis; oferecem aos trabalhadores o conhecimento e a autoridade necessários para a definição democrática de políticas nacionais perante a dívida; incentivam igualmente a responsabilidade, a prestação de contas e a transparência da administração do Estado.
É urgente, neste contexto, a constituição de uma Comissão Popular, aberta e de convergência unitária, para uma Auditoria à Dívida portuguesa.
Subscrevem este apelo, sinalizando a sua disponibilidade para o desenvolver na prática, um conjunto de activistas sindicais, de comissões de trabalhadores e de organizações cívicas, associativas e políticas.


Subscritores/as:
Manuel Carvalho da Silva (secretário geral da CGTP-IN, Lisboa), António Avelãs (presidente do SPGL), Pedro Ferreira (economista, Coimbra), Guadalupe Simões (Enfermeira, Faro), Elísio Estanque (universidade, Coimbra), Rui Maia (Precários Inflexíveis, Lisboa), Adriano Campos (FERVE, Porto), Paulo Granjo (universidade, Lisboa), José Rodrigues (sindicalista), José Castro Caldas (universidade Coimbra), Jorge Bateira (economista, Porto), Francisco Alves (sindicalista, Lisboa), Maria da Paz Campos Lima (socióloga, Lisboa), António José Vitorino (bancário, Almada), Joaquim Piló (sindicalista), Viriato Jordão (Lisboa), José Almeida (sindicalista, Lisboa), Guilherme da Fonseca Statter (sociólogo do trabalho), José Rebelo (universidade, Lisboa), Manuel Carlos Silva (professor, sindicalista), Isabel Frutas Carvalho Ascenção (SERAM-Madeira), Janine Rodrigues (enfermeira, SERAM Madeira), Artur Oliveira Baptista (sindicalista, Lisboa), Carlos Valdez Vasconcelos (professor, Lisboa), Carolina Fonseca (trabalhadora, Lisboa), Lídia Fernandes (feminista, Lisboa), Cristina Oliveira Nunes (socióloga, Lisboa), Marco Marques (Precários Inflexíveis, Lisboa), Almerinda Bento (professora, Amora), Manuel Zebral (desempregado, Galiza), Dora Fonseca (Universidade, Porto), Maria da Conceição Sousa (enfermeiro, C. Branco), António Pedro Dores (universidade, Lisboa), Assunção Bacanhim (sindicalista, Funchal), Manuel Martins (CT Autoeuropa, Palmela), Bruno Semeano (CT Faurécia, Palmela), Deolinda Martin (professora, Amadora).

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