Espanha
Há 3 anos, no dia de hoje, Pedro Sánchez tornou-se o primeiro PM a rejeitar a Bíblia e o crucifixo na cerimónia de posse, ato que o beatério e a padralhada não digeriram porque a laicidade e a democracia não são virtudes pias incluídas no catecismo ou no breviário.
Há 7 anos, no dia de hoje, o PM Mariano Rajoy recebeu de Juan Carlos, rei de Espanha mais pela graça de Franco do que de Deus, a sua carta de abdicação.
Nesse mesmo dia, escrevi este texto:
«O rei Don Juan e a Constituição Espanhola
O rei de Espanha, Don Juan Carlos, teve algumas semelhanças com o mito homónimo, mas são maiores as diferenças. Apesar de sedutor, não inspira tantas obras, da literatura à pintura e à música, como o autêntico D. Juan, aquele que Lord Byron imortalizou na versão épica. Terá eventuais semelhanças na educação católica repressiva com que o grande poeta perpetuou o mito, mas faltou-lhe fôlego para tantas aventuras.
Uma princesa alemã divorciada, em excelente estado de conservação, não fez do rei de Espanha um émulo do D. Juan, que inspirou Balzac no conto em que o apresenta como sedutor, bígamo e boémio. Uma caçada no Botsuana não faz de ninguém boémio, e uma escapadela matrimonial não é motivo de inspiração para óperas ou romances. A caça de animais em extinção pode inspirar notícias na comunicação social, mas nunca a atenção de um Mozart para compor uma ópera.
D. Juan foi uma herança deixada a Espanha pelo genocida Francisco Franco, na crença de que perpetuaria a ditadura, e, na impossibilidade de ser fiel à amantíssima esposa, ser discreto para não vexar a senhora. A biografia de Don Juan Carlos não o remete para a literatura, apenas traz à memória o quadro de Delacroix – o naufrágio de Don Juan.
O anacronismo da monarquia está plasmado em três artigos da Constituição que dizem que a “pessoa do Rei é inviolável”, sendo omissa em relação à rainha, “e não está sujeita à responsabilidade”, e que o dinheiro recebido do Estado «o distribui livremente».
O autêntico D. Juan era o mito. O rei é um genérico. O verdadeiro não tinha imunidade régia nem precisava de dinheiro. Era concupiscente, cruel e predador sexual, mas não deixou descendentes. Os gostos de ambos podem ser semelhantes mas o poder nunca deve ser vitalício nem transmissível pela via uterina. Na República um Don Juan é um mero epifenómeno, na monarquia é um fardo que pode propagar-se por várias gerações.
A renúncia de D. Juan não é o fim da herança de Franco, é um recomeço mais viçoso.
A República é o único regime em que todos os homens nascem iguais em direitos.»
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