Zita Seabra e António Barreto

Zita Seabra nunca deixou de ser estalinista, no PCP, quando este já deixara de o ser, no PSD, Opus Dei e Intervenção Liberal. Primeiro, sofreu a violência da ditadura, depois, a vergonha das cambalhotas, cinco sacramentos e o persistente radicalismo.

António Barreto é a Zita Seabra de calças, sem a coragem e a capacidade de sofrimento da última. À clandestinidade preferiu, legitimamente, o exílio e a fuga à guerra colonial, a que talvez deva a Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo, dada por Cavaco. Saiu do PCP, que considerava demasiado à direita, para a extrema-esquerda, e regressou ao País para se acolher no PS e dedicar-se à destruição entusiástica da Reforma Agrária.

Saiu do PS para integrar a AD, e pediu o regresso para completar o tempo de deputado para a reforma vitalícia que, ao tempo, era regalia dos deputados. Obtida esta, sem apoio para as ambições, rompeu com a social-democracia e rumou à direita ultraliberal. Só lhe falta passar a fronteira da democracia para o fascismo.    

Para quem saiu do PCP pela esquerda, o destino é a marca de carácter que acompanhou o trânsfuga que quis ser ideólogo do PS e, depois, da direita, sendo empregado do dono do Pingo Doce, promotor do supermercado e defensor do ultraliberalismo.

Nas piruetas bateu Zita Seabra, não na coragem, sem ter conseguido que a sua direita o apoiasse no delírio para PR, ou à Câmara do Porto, como queria. A carranca dá-lhe o ar grave de pensador, e a perseverante campanha contra a Esquerda, em geral, e o PS, em particular, faz dele um comentador avençado de todas as noites eleitorais.

Quem se lembra da sanha contra o Centro Cultural de Belém, a que chamava Comercial, e contra o uso de telemóveis, recorda o provinciano letrado e intelectual suburbano com horror à novidade.

Zita Seabra e António Barreto dedicam-se a repudiar os partidos de onde saíram, mas só o último consegue fingir inteligência fulgurante, ser pitonisa da Direita e ganhar a vida ao seu serviço. Não é um pensador, é um par de sobrancelhas hirsutas a dar espessura à cabeça de onde brotam vacuidades e lugares-comuns previsíveis.

No Público de 11 ct., pág. 5, onde destila ódio na homilia semanal, este bastião da ética e da coerência, afirmava, enquanto decorriam as cerimónias fúnebres de Jorge Sampaio: “Como Presidente, Sampaio foi indiferente. Tivemos dois que marcaram – Ramalho Eanes e Mário Soares – e outros dois que passaram pelo cargo – Sampaio e Cavaco Silva” [sic] profetizando que “De todos os presidentes, o que fica na história é Eanes”.

Nem Soares, artífice da II* República, ficará na História, segundo o profeta da direita, a quem Marcelo outorgou a Ordem da Liberdade, talvez pelo antifascismo…, na Suíça.

Perante o medíocre pensador e execrável cidadão, gritemos com Guterres: Sampaio, sempre! E comigo, Barreto, nunca!

Apostila – * Considero o regime saído da Revolução de Abril como Segunda República. Recuso designar como “República” o regime autocrático, fascista e vitalício de Salazar.


Comentários

Jaime Santos disse…
Sejamos justos com Barreto, Carlos Esperança. A Lei pode ter ficado com o nome dele, mas era do Governo a que presidia Mário Soares. Tenho a secreta suspeita que Soares, animal político como era, escolheu Barreto porque sabia que ele desempenharia a tarefa com o zelo de um convertido, à imagem dum Torquemada.

E depois, Soares, que sabia que a militância do PS sofria (e sofre) de complexos de Esquerda, preferiu queimar um trânsfuga externo, a alguém vindo de dentro do partido.

E ainda bem que Barreto desempenhou essa função, digo eu. A transformação de assalariados de proprietários agrícolas ociosos em assalariados do Estado não correu bem noutras paragens, a ineficiência da agricultura soviética é lendária, com as leiras atribuídas aos agricultores individuais com produtividades que eram 8 vezes as das grandes propriedades coletivizadas...

E não, Sampaio não foi indiferente.

Eanes começou bem e acabou a patrocinar um partido com laivos sidonistas, com o objetivo de destruir o PS. Não conseguiu, mas entregou o poder à Direita durante dez anos. É, apesar de tudo, um homem decente e honrado, mas saiu da política pela porta pequena.

Soares passou o primeiro mandato a trabalhar para as duas maiorias de Cavaco e o segundo a tentar minar a terceira. É duvidoso que o Congresso 'Portugal, que Futuro?' tenha tido alguma coisa que ver com a vitória do PS em 1995, foi mais a cobardia do próprio Cavaco e a crise económica que guindaram Guterres ao Poder.

De Cavaco como Presidente não se pode dizer nada de bom, logo não se deve dizer nada. Do Presidente dos afetos, bom, seria bom que se resumisse a ser o Presidente dos afetos em vez de tentar repetir com Costa o que Soares fez com Cavaco...

Finalmente, resta-nos Sampaio.

Impediu Barroso de enviar tropas para o Iraque, acabando por fazer um favor ao então PM, o pior da nossa Democracia pela mordomia das Lages (que o maculou a ele, mas não chegou para nos macular a nós), que assim evitou sair da política como Aznar, porventura depois de um ataque terrorista como o de Atocha.

Livrou-nos de Santana Lopes. Claro, isso deu uma maioria absoluta a Sócrates, mas seguramente que Sampaio não poderia adivinhar que o PM socialista chegaria tão baixo, mesmo assim acima da vilania de Barroso...

E foi o primeiro porta-estandarte da causa timorense. Como nenhum outro, mostrou que quando a causa é justa e se persevera nela, é possível chegar muito longe recorrendo apenas à palavra, à diplomacia e ao Direito.

Quem dera que outros líderes mundiais lhe tivessem seguido o exemplo.

Ele recorda no último artigo que escreveu que quando procurou cativar o embaixador dos EUA para a causa da Aliança de Civilizações, este lhe atirou com o chiste atribuído a Estaline, 'O Papa? Quantas divisões tem o Papa?'

Mais do que cada um pensava... Tivesse a administração Bush em 2002 a humildade de Sampaio, quando os Taliban procuraram render-se com condições, e talvez a América não estivesse agora a retirar, ao fim de 20 anos, do Afeganistão de forma ignominiosa...

Sampaio, como Presidente e depois como Ex-Presidente é seguramente o melhor de toda a nossa Democracia e não será tão cedo que alguém poderá repetir a sua façanha, fruto claro das circunstâncias, mas que ele soube aproveitar como nenhum outro. É, e será o meu Presidente.

Viva Jorge Sampaio!

P.S. Lamento, mas a caricatura é horrível, faz Sampaio parecer um alien saído do Mars Attack! Seguramente que haveria outras que lhe fariam mais justiça...
Estevão disse…
… e também deve ser lembrado por isto:

https://expresso.pt/presidenciais2016/2016-01-13-Jorge-Sampaio.-O-Presidente-que-despediu-Armando-Vara

Jorge Sampaio, sempre !
Jaime Santos disse…
É verdade, Amofinado, mas isso são peanuts... A inquirição de Vara no Parlamento mostrou bem que o homem não passa de um pobre diabo 'way out of his depth' (senti pena dele). Nunca deveria ter passado de subgerente bancário ou lá o que era na vilória onde vivia...

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