A CONFISSÃO (2)
Aquela estranha atitude do professor primário conduzir os alunos para a igreja com o intuito de as crianças se confessarem (“estranha atitude” digo eu, hoje. Na época era uma obrigação decretada pelo Estado Novo de Oliveira Salazar. Lembremos que estávamos em 1952) levou-me, muito mais tarde, já em idade de ter pensamento próprio, a este raciocínio:
Para existir uma confissão, no sentido de se obter um perdão, tem de, antecipadamente, haver um delito que justifique aquele acto de confidência (e pura fé) a um sacerdote. E depois, esta confissão do delito não o elimina… pois é necessário compensar a vítima que prejudicamos com a nossa acção delituosa. Essa função de julgamento, condenação, absolvição ou perdão, pertence aos tribunais… não à Igreja!
A função da Igreja no acto da confissão está a outro nível. Enquanto que a minha culpa é redimida após uma conversa com quem desrespeitei ou prejudiquei, sanando o conflito (ou é condenada por um tribunal que me leva a expiar com prisão ou multa, a falta que tive), a confissão católica remete o perdão da minha falta com alguém, para a responsabilidade de Deus!… Sinto-me perdoado pela divindade da minha crença… mas aquele a quem prejudiquei continua prejudicado sem ser ressarcido dos danos que lhe causei… porém, eu fico na maior leveza de consciência porque Deus me perdoou!…
Isto é, simplesmente, indecente!… É de um egoísmo extremo, premiando o prevaricador e esquecendo o prevaricado. Há na confissão católica uma atitude psicológica que será positiva para o faltoso, podendo este, eventualmente, emendar o erro e jamais voltar a cometê-lo (do que duvido)… mas o outro, aquele a quem o faltoso e religioso, prejudicou... continua prejudicado!
Era este tipo de “confissão a Deus” que queriam de mim aos oito anos de idade, envolvendo-me, contra a minha vontade, num acto que eu desconhecia!… Acto puramente religioso, de fé, primitivo e sem nexo para quem tenha dois dedos de testa!…
Era assim (e se calhar ainda é) que a Igreja pescava crentes para fornecer a sua lota. No meu caso partiu-se a linha e perdeu-se o anzol com o isco, pois não voltei à igreja!…
O sentimento de culpa que resulta de uma transgressão, só poderá ser anulado mediante uma reconciliação com o outro, num processo de pacificação. Esta é a naturalidade da resolução de um conflito.
Porém, se o transgressor for um crente na divindade, nessa tentativa de reconciliação entra um outro elemento estranho ao problema, já que a reconciliação envolve a relação com Deus!…
(Se você, leitor, é crente e se sente bem depois de ter confessado os seus maus actos a um sacerdote… óptimo. Isso é muito bom para si. Mas não se esqueça de falar com quem prejudicou, apresentar-lhe as suas desculpas… e indemenizá-lo, se for caso disso. Está combinado?… Entretanto, tome lá um xi-coração)
(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico)
Onofre Varela
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