Telmo – Homenagem a um amigo de infância*
A tua partida, Amigo, obriga-me a uma dolorosa viagem à memória. E como pode ser tão sofrida essa viagem onde tropeço no vazio que deixas, na diferença que fazias e nas divergências que nos uniam!
Fomos obrigados a ser amigos, a perpetuar a amizade dos
nossos pais, a não deixarmos esmorecer esses laços característicos das terras
pequenas e que a distância da infância nunca deixou de robustecer. E soubemos
ser fiéis.
Foi o Tozé Matias, solidário como sempre, que me deu célere
a notícia do teu primeiro e grave sinal da doença e que me anunciaria a morte
que, nos telefonemas que te fiz para Gouveia, onde não me foi permitida a
visita, me fizeste crer que estaria ainda longe.
Nas duas semanas de agosto que passei em Almeida vivi
diariamente as recordações de uma vida, desde os primeiros anos do liceu da
Guarda, até à inspeção militar em Viseu onde suportámos a humilhação de
ficarmos nus perante dezenas de outros mancebos a que uma alimária fardada
advertia, julgando ter humor, para não metermos as mãos nos bolsos. Não sei se
era a vingança por sermos refratários, nessa inspeção no dia 1 de outubro de
1963. Desse dia e da véspera, onde ficámos na mesma pensão, ficaram-nos
memórias que nos divertiam em cada novo reencontro.
Pareceste sempre estranho, com angústias metafísicas,
inquietações filosóficas e uma intensa e impenetrável vida interior que revelavas
nas longas conversas que tínhamos, onde o teu idealismo místico convivia
fraternalmente com o meu ateísmo.
Foi essa divergência que nos unia que te levou a convidar-me
para colaborador do Praça Alta onde, durante 20 anos, assinei mensalmente as
«Notas Soltas». É altura de dizer que eras incapaz de exercer censura, até para
colaboradores avulsos que prevaricavam na gramática e claudicavam nas ideias.
Levaste ao extremo a tolerância, eras assim.
Não venceste a morte, mas venceste o esquecimento. Não serão
apenas a filha e a neta a recordar-te, continuarás na memória dos amigos até ao
nosso último dia, nas conversas, na evocação de recordações que a morte avivou,
nos milhares de páginas que escreveste e, sobretudo, na imagem forte com que
marcaste a nossa geração e a ligação permanente a Almeida.
Não me despeço, a morte levou contigo um bocado de mim. Um
dia todos seremos uma recordação dos que nos amam.
* Telmo Gastão Cunha, farmacêutico em Almeida, amigo de
infância e de toda a vida.
Comentários
Eu sou de Vilar Torpim, mas, ao tempo, vivia numa quinta a 5 kmss de Almeida e ia à escola a Almeida.
Somos conterrâneos e contemporâneos.