Crer e saber

Por Onofre Varela

O Homem é um animal dotado de inteligência, o que o torna superior aos restantes animais seus companheiros da vida na Terra. Por isso mesmo é, também, um ser religioso por natureza e excelência, cuja característica de animal inteligente o levou à criação dos conceitos do belo, da Arte, do sagrado e dos deuses, e à consequente prática de cultos religiosos. 

As instituições dedicadas à exploração da fé religiosa (vulgo, Igrejas [*]) pretendem ser proprietárias do conceito de Deus – sobre o qual se erigiram civilizações – mas, na verdade, do mesmo modo como a Língua que falamos é propriedade nossa, também o conceito de Deus a todos pertence, independentemente de seguirmos, ou não, uma fé religiosa, porque o conceito dos deuses é uma invenção da espécie Homo sapiens sapiens

Nessa pretensão de posse, a Igreja Católica já perseguiu e puniu com tortura e morte quem se atreveu a abordar a divindade fora do âmbito da sua fé. E o Islamismo extremista ainda hoje mata em atentados terroristas praticados em nome de Deus, com os assassinos a gritarem “Allahu akbar” (Alá é grande). No século XXI voltamos à barbárie, desta vez refinada, que os mais bem intencionados de nós já tinham arrumado nas prateleiras da História mais macabra e longínqua, e que tanto desilustra a Humanidade. 

Por isso devemos considerar, e sublinhar, que crer em Deus não é o mesmo que saber sobre Deus. O saber precisa de conhecimento, obrigando à constante renovação das ideias, sem o que, o verdadeiro saber não existe. 

A par disto há a considerar que o saber é lento, frio e racional. A crença, não! A crença é emotiva, ferve em pouca água e, por vezes, provoca danos irreversíveis. Na crença afirma-se sem se saber, com a mente aquecida pela emoção cega. O crente não sabe, de saber certo, aquilo que afirma saber, porque crer não é saber. Por muito que eu creia que o comboio parte ao meio-dia, eu vou perdê-lo se não souber que ele parte às dez horas da manhã (se não houver greve!…).

A crença rejeita a dúvida e afirma a certeza na fé. O saber obriga à constante investigação e abertura ao que é duvidoso, novo e contraditório. Sem esta atitude de curiosidade e humildade, podemos ser crentes… mas nunca seremos sabedores. 

Em tudo, na vida, por uma questão de honestidade para connosco e com os outros, e até para que cada um sinta segurança no seu próprio raciocínio, é indubitavelmente preferível que se saiba, do que se creia. 

Há que dizer que as religiões também são “modos de saber”, no sentido emocional da crença. Isto é: quando eu "sei" que Deus existe "porque o sinto”, adquiro um “saber” que ninguém destruirá, pois o meu sentimento mais profundo me diz estar a verdade do meu lado. É este “saber” que faz a “razão” dos crentes… embora não seja saber, nem razão, na verdadeira acepção dos termos, porque não pode ser aferido pelo saber das ciências, nem pela razão filosófica enquanto forma de chegar a conclusões reais, porque estas são contrárias àqueles “saberes” que não passam da imaginação que a fé alimenta. 

É este “saber religioso” que constrói os fundamentalistas... e alguns até são criminosos.

[*] - Igreja: do grego "Ekklésia", significa "assembleia", no sentido de reunião de crentes numa fé religiosa.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

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