O frustrado concurso de beleza monástica – Crónica inédita
Em 2008, um padre italiano propôs uma competição que pretendia eleger a freira mais bonita, via internet. Face às críticas, voltou atrás e suspendeu tudo.
De onde vem este ódio ao corpo feminino, a fúria misógina, o ranger de dentes,
perante a forma de um corpo, as curvas do desejo e a beleza da mulher?
Paulo de Tarso, um místico desequilibrado, rotulou o cabelo e a voz das
mulheres como coisas obscenas e Agostinho de Hipona entrava em desvario por não
poder resistir-lhes, e ambos foram santos na infância dos milagres, quando a
produção em série estava por inventar e a Igreja católica era avara na produção
de taumaturgos.
Mas que obsessão é essa dos que lhes querem cobrir o corpo, seja com o hábito,
alvo, de freira ou com a negrura da burca, e esconder-lhes as formas, porque
temem a beleza, e as reduzem a um corpo sem feitio porque lhe adivinham a
inteligência da alma?
Não, não é dessa alma que falo, da criação ontológica que alimenta um deus
sedento no Olimpo de todos os medos, da metafísica dos negócios pios, do
pretexto para a renúncia à vida e ao sortilégio do amor. Falo da alma com que
as mulheres cantam, riem, choram e gritam, da alma com que animam a vida, da
alma com que amam e procriam, da força que lhes vem dos séculos de tirania e
humilhação.
Quem oprime as mulheres são doentes de desejos reprimidos, inquietos com a
perda do poder, célibes que temem o amor e o escândalo, maníacos da castidade
que a educação e o múnus castram e que, no êxtase de fantasias sórdidas, se
entretêm a inventar castigos.
Quando homens e mulheres descobrirem que a liberdade é feminina, dar-se-ão
conta de que a igualdade não é uma utopia e a discriminação dos livros pios é uma
afronta que se perpetua para gáudio de homens sós e eterna perdição da
felicidade humana numa vida irrepetível.
agosto de 2008
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