Stocks de Sangue: das carências pontuais à ruptura anunciada?


A situação das reservas de sangue é exemplar para a percepção da política que o Ministério da Saúde está a desenvolver.

De facto, a instalação de uma situação (cronicamente?) deficitária dos níveis nos stocks de sangue nas instituições de saúde pode tornar-se num sério problema. Quando surgiram os primeiros alertas (há mais de 6 meses) link estes foram desvalorizados sendo considerados como “quedas habituais”, verificáveis no pino do Verão e do Inverno, supostamente correlacionáveis incidentes de sazonais que traduziam variações das disponibilidades pessoais.

Actualmente, o IPS recusa “avançar os dados relativos aos níveis de reservas de sangue existentes depois da quebra nas dádivas registadas no início de Fevereiro…” link o que é uma omissão preocupante quando pretendemos conhecer o estado da medicina transfusional em Portugal.

Quando em Agosto passado se começaram a verificar algumas preocupações sobre reservas de sangue (nomeadamente equacionando a necessidade de recurso às reservas estratégicas) o ministro apareceu, prontamente, a afirmar que “não há falta de sangue nos Hospitais” e aproveita o ensejo para reforçar o apelo a doação de sangue. link

O cidadão Paulo Macedo, no dia seguinte, integra a campanha “Dador-Salvador”. Novamente, vestindo a roupagem de ministro tece considerações sobre o polémico fim das isenções de taxas moderadoras para os dadores (na altura ainda em estudo), embora conceda a importância de discriminação positiva, continua a defender o critério de que “ é essencialmente pelos rendimentos que se deve determinar a isenção de pagamento das taxas”. link

Entretanto, diversas associações de dadores de sangue, em Fevereiro de 2012, entregam uma petição a solicitar a isenção de taxas moderadoras. link. Todavia, quando vêm a terreiro as “novas” taxas moderadoras prevalece a linha oficial do Ministério. O critério é o rendimento (o IRS) e os benefícios são regulados pelo Decreto-Lei N.º 113/2011, de 29 de Novembro link e a Portaria n.º 311-D/2011 de 27 de Dezembro link onde a isenção (para os dadores de sangue) se resume, na prática, às prestações em cuidados de saúde primários (Centros de Saúde) para os ditos prestadores “benévolos”…
Mercantiliza-se a postura de isenção (assumida pelas associações de dadores) deixando subjacente a ultrajante noção de “doação interesseira” (em troca de benefícios).
Não se tratam os dadores como cidadãos solidários que prestam uma dádiva aos doentes. Tratando-se de um bem precioso é perverso colar à solicitada isenção que uma outra carga que não seja um incentivo.
Ainda para mais um estímulo simbólico. Muitos dos estimados 400.000 dadores portugueses, por princípio, desfrutam de boa saúde (não são “abusivos” utentes do SNS), não havendo, portanto, nada a “moderar”. Esta reivindicação das associações de dadores de sangue tem, contudo, outro alcance (político). Trata-se, tão-somente, da defesa de direitos adquiridos, situação intolerável para o actual Governo, apostado em derrubar todas as barreiras que possam obstaculizar a prossecução de estreitos fins orçamentais. Falar de direitos adquiridos, ou evocá-los mesmo que discretamente, tornou-se blasfemo para o actual governo.

Não é nenhum princípio de equidade incidindo sobre a actualização das taxas moderadoras (que como costumam dizer os inefáveis agentes governamentais “está no memorando de entendimento”) que está em causa. É a senda de legitimação política dos cortes dos subsídios de férias e Natal, da redução de prestações sociais (subsídio de desemprego, RSI, pensões, aposentadorias, …), a deslizante desvalorização remuneratória da força do trabalho, etc. Em resumo, a saga do empobrecimento como “solução” redentora para o futuro. Ou a equidade transformada em opróbrio.

Posteriormente, a audição parlamentar do presidente do IPS, a solicitação do BE, veio clarificar que não existe um problema exclusivo de colheitas e esta auditoria veio alargar e aprofundar o leque de inquietações que apoquentam a eficiência e o futuro da medicina transfusional em Portugal. Estamos perante a instalação de uma verdadeira incapacidade de resposta estrutural.
Nesta audição foi revelado que o IPS “perdeu”, num ano, 149 profissionais link. Não precisamos de outros indicadores para exigir que o MS mude o rumo de actuação.

Perante a queda da oferta – e independentemente da bondade das campanhas em curso – precisamos de adaptar e diversificar a procura. Isto é, abrir novos centros de colheita e aumentar o número de brigadas nacionais. Exactamente o oposto do que o MS está a fazer com a sua “política de cortes”. (cegos ou sistemáticos, tanto faz).
 Política que, passe a ambiguidade, vai “fazer sangue”…

Comentários

A propósito de dadores de sangue,
lembro aqui um caso passado há uns 65 anos.Em conversa com um militar
da GNR meu conhecido,contou-me êle que numa noite quando fazia com um colega uma ronda pelo Parque Eduardo VII em Lisboa,viram numa cova deitado um homem a quem pediram a identificação e êle lhes mostrou um cartão de dador de sangue.Os Guardas,espantados, deixaram-no no seu covil.Eu não fui dador de sangue mas fui também
um sem-abrigo,pois na Obra em que trabalhava como servente de pedreiro,dormia a um canto deitado nuns sacos vazios de cimento, vestido e calçado e cheio de piolhos que não dormiam.Ia então comer à Sopa dos Pobres no Campo das Cebolas onde o pária comia.
Hoje com o Liberalismo económico em que cada qual se amanha como pode e em que o Mercado é quem mais ordena,até com o sangue se pode Mercadejar ou Traficar.

A Pátria-Mãe p'ra mim madrasta,
empurrou-me p'rà emigração,
e maldita seja a Governação,
que Portugal p'rà miséria arrasta.
Um pungente depoimento, caro Amigo José Cravinho.

A minha homenagem e um abraço.
ASMO LUNDGREN disse…
A pátria mãe empurrou centenas de milhares em cada década do século XX
os desmandos dos 1ºs anos republicanos e as expropriações dos anos 20 levaram pelo menos 500 all garvios para o Brasil...e metade morreram de febres e tuberculose nos anos 30...logo

uma delas foi a filha de um pescador que por ser mestre da barca real(com uma cabeça de cobre feyta nos annos 30 ou 40 num jardim de Olhão ou em Faro por serviços prestados como salva-vidas)foy dar com o cu no Rio de Janeiro e outros com menos sorte via Manaus

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