COVID- 19 – Cogitações e incertezas
Num dia frio, retido em casa há duas semanas exatas, sem cão ou outra justificação para interromper a reclusão que a lei impõe e o civismo obriga, medito no futuro de que não farei parte por demasiado tempo, pela inevitável finitude da única e irrepetível vida que me cabe no breve caminho de Eros a Tanatos.
Passo os dias a ler e a escrever como se a escrita ficasse para a posteridade e a leitura servisse de consolo às cinzas, mas gosto. E penso. Sem morbidez ou azedume.
Penso nas senhas de racionamento que, em criança, via a avó cortar para as famílias que lhe eram atribuídas, com direito a comprar na sua loja 125 gr de açúcar, 0,5 kg de arroz, bacalhau ou massa, 1/5 litro de azeite ou de petróleo e outros produtos, havendo pessoas que não os iam comprar por lhes faltar dinheiro. Havia fome nas aldeias da Beira Alta, e no país. A minha mãe demorava a dissolver um rebuçado, por falta de açúcar, antes de me levar com ela para a escola onde a esperavam 72 crianças distribuídas pelas quatro classes do ensino primário.
A pandemia, que ora lavra, não mata apenas, destrói empresas, empregos e a economia dos países. Imagino o recuo pelo fim de qualquer das guerras anteriores, agora de forma mais dolorosa para quem tinha atingido níveis de bem-estar sem precedentes.
Primeiro perdem-se vidas, depois os haveres e finalmente a liberdade. Perante a pobreza torna-se supérflua a democracia que, já hoje, tem escassos defensores empenhados.
As recordações de infância vieram agora, com redobrada nitidez, lembrar um futuro que se avizinha, sem o analfabetismo de outrora e sem economia de subsistência a servir de precária sobrevivência aos pobres.
Há um mês, pensava-se onde gozar as férias; no fim da tormenta, onde arranjar trabalho. A violência da ruína a que o vírus conduz fará emergir como primeira potência um país cuja civilização não partilhamos, enquanto o neoliberalismo se encarregou de degradar os valores éticos da que moldou esta Europa envelhecida e agora envilecida.
A falta de solidariedade não garante a sobrevivência do sistema económico predador em que temos vivido, o êxito do combate pela preservação do ambiente e a salvaguarda dos Direitos Humanos.
O que aí vem é absolutamente imprevisível, desde a eventual implosão demográfica ao sistema económico-social que sairá dos destroços desta guerra biológica, e seria trágico que o trabalho e os bens de consumo não fossem distribuídos por todos, que a poluição não fosse combatida, que a bomba demográfica não fosse contida e que a solidariedade entre as pessoas e os povos não se manifestasse.
Quero pensar que, depois da tragédia, renasça a esperança e, após a tempestade, venha a bonança.
Passo os dias a ler e a escrever como se a escrita ficasse para a posteridade e a leitura servisse de consolo às cinzas, mas gosto. E penso. Sem morbidez ou azedume.
Penso nas senhas de racionamento que, em criança, via a avó cortar para as famílias que lhe eram atribuídas, com direito a comprar na sua loja 125 gr de açúcar, 0,5 kg de arroz, bacalhau ou massa, 1/5 litro de azeite ou de petróleo e outros produtos, havendo pessoas que não os iam comprar por lhes faltar dinheiro. Havia fome nas aldeias da Beira Alta, e no país. A minha mãe demorava a dissolver um rebuçado, por falta de açúcar, antes de me levar com ela para a escola onde a esperavam 72 crianças distribuídas pelas quatro classes do ensino primário.
A pandemia, que ora lavra, não mata apenas, destrói empresas, empregos e a economia dos países. Imagino o recuo pelo fim de qualquer das guerras anteriores, agora de forma mais dolorosa para quem tinha atingido níveis de bem-estar sem precedentes.
Primeiro perdem-se vidas, depois os haveres e finalmente a liberdade. Perante a pobreza torna-se supérflua a democracia que, já hoje, tem escassos defensores empenhados.
As recordações de infância vieram agora, com redobrada nitidez, lembrar um futuro que se avizinha, sem o analfabetismo de outrora e sem economia de subsistência a servir de precária sobrevivência aos pobres.
Há um mês, pensava-se onde gozar as férias; no fim da tormenta, onde arranjar trabalho. A violência da ruína a que o vírus conduz fará emergir como primeira potência um país cuja civilização não partilhamos, enquanto o neoliberalismo se encarregou de degradar os valores éticos da que moldou esta Europa envelhecida e agora envilecida.
A falta de solidariedade não garante a sobrevivência do sistema económico predador em que temos vivido, o êxito do combate pela preservação do ambiente e a salvaguarda dos Direitos Humanos.
O que aí vem é absolutamente imprevisível, desde a eventual implosão demográfica ao sistema económico-social que sairá dos destroços desta guerra biológica, e seria trágico que o trabalho e os bens de consumo não fossem distribuídos por todos, que a poluição não fosse combatida, que a bomba demográfica não fosse contida e que a solidariedade entre as pessoas e os povos não se manifestasse.
Quero pensar que, depois da tragédia, renasça a esperança e, após a tempestade, venha a bonança.
Ponte Europa / Sorumbático
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