Marcelo, os banqueiros e o teatrinho de papéis trocados

O PR anunciou que ia chamar os banqueiros para os persuadir a ajudarem a recuperação da economia portuguesa, e os órgãos de comunicação multiplicaram-se a divulgar a sua intenção, como se os banqueiros aguardassem o pedido do PR para as boas ações 😊.

Na última segunda-feira Marcelo saiu da reunião, isto é, levantou-se da cadeira onde se sentou para o encontro apregoado, por videoconferência, com os presidentes dos cinco maiores bancos portugueses, CGD, BCP, Novo Banco, Santander e BPI.

Apesar de ser tão previsível, o PR anunciou com pompa e circunstância: “Saio desta reunião com a sensação de que a banca portuguesa está a acompanhar de forma muito atenta a realidade do nosso país, o que se vive nas famílias e nas empresas”, como se pudesse fracassar em tão piedosa intenção. E não surpreendeu que tenha encontrado um espírito “de grande mobilização no sentido de ajudar a economia portuguesa”.

Do que disseram os banqueiros nada se sabe, nem é hábito o contraditório ao PR, só da encenação da peça em que o ponto saltou para o palco e debitou os papéis de todos.

Num país onde a Constituição não é lida, onde se confundem as funções presidenciais e as do Governo, passou a ser dado adquirido o entusiasmo dos bancos a favor da solidariedade social. Marques Mendes há de glorificar a intervenção ‘oportuna’ do PR.

Ora, contra o desejo piedoso do PR e a alegada promessa dos banqueiros, estes, ainda que quisessem, não a podem  cumprir, se acaso a fizeram.

Os bancos, ao contrário do que se diz, não têm capacidade de minimizar a devastação sofrida no tecido económico e empresarial. Eles próprios sofrem a anemia da economia e ninguém perdeu mais dinheiro do que os bancos, o sistema circulatório da economia. Se os bancos deviam ser privados, é outra conversa. De Gaulle nacionalizou alguns no pós-guerra e, mais tarde, admitiria que devia tê-los nacionalizado a todos.

Imaginem um pequeno acionista de um banco e vejam quanto valem as suas ações agora e antes desta catástrofe natural cujo fim é incerto. Pois, se um pequeno acionista perde o seu dinheiro, um grande perde-o na razão direta do número de ações de que é titular.

Sabe bem dizer mal de banqueiros falidos. Eram poupados quando o capital financeiro era responsável por todos os desmandos na economia, que lideravam, e censurados os Estados quando os salvaram em 2008, como se pudessem assistir ao efeito dominó da contaminação sistémica de todo o sistema.

O neoliberalismo já mostrou a perversidade e incapacidade, mas admito não existirem condições para que as alavancas da economia sejam um exclusivo do setor público.
Há quem fique indignado com estas afirmações, dizer que os bancos são perdedores e fracos, e é o que penso.

O teatrinho foi montado para mais um ato de propaganda antecipada para as eleições presidenciais, e é irrelevante nas tarefas que nos esperam, na resolução da situação de centenas de milhares de vítimas, patrões sem empresas e trabalhadores sem emprego.

Todos seremos chamados a pagar de forma dolorosa, sem precedentes, a reconversão da economia inimiga do ambiente, o início de um ciclo novo onde as desigualdades sociais obscenas não poderão persistir, onde o aquecimento global levanta novos desafios e as guerras ameaçam continuar.

Desta vez vamos mesmo receber menos, sobretudo os reformados, através de impostos, da inflação ou de cortes. É preciso ser demasiado ingénuo ou excessivamente crente para duvidar.

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