Façam a paz, em nome da decência e do que resta da compaixão

Nunca, como hoje, assisti a tamanho ódio entre adversários e a tão desvairadas opiniões sobre notícias submetidas ao crivo da censura e sem contraditório.

Na Rússia censuram-se as notícias, prendem-se adversários e os próprios advogados. Na Ucrânia ilegalizam-se partidos políticos da oposição e reduz-se a informação televisiva a um único canal. De um lado está um ditador que nunca estimei, do outro um herói do mundo livre que me causa sérios arrepios.

É difícil manter a serenidade perante a pungência dos dramas que milhões de refugiados vivem, desde os ucranianos a palestinianos, iemenitas, sírios e tantos outros.

Escrutinar o que lemos, vemos e ouvimos não pode ser contaminado pelas emoções e, muito menos, pelo medo. Mas é de medo que falamos, do medo de que tudo nos falte quando tantos perderam já o medo da verdade única e das ditaduras que nos ameaçam.

Só me surpreende a quantidade de belicistas empedernidos favoráveis a uma guerra em que cada dia que se prolonga representa décadas de retrocesso para a Humanidade.

Vale a pena revisitar um texto que escrevi há oito anos, em que não refiro o nome da Ucrânia.

«Carlos Esperança – 22 de março de 2014

A amarga ironia da geopolítica e as doces mentiras de conveniência

A Rússia detesta bases da NATO junto ao seu território, seja na Geórgia ou na Crimeia, vá-se lá saber porquê. Não me venham dizer que Putin é comunista e a União Europeia campeã do direito internacional e baluarte da democracia.

A cultura, sensibilidade e circunstâncias fazem de mim um europeísta militante. Teria votado, sem vacilar, a adesão de Portugal à União Europeia quando o PM Cavaco Silva, cujo mérito não lhe coube, negou o direito ao referendo, com o argumento de que ficava caro. A sua formação democrática foi sempre rudimentar.

Defendo, continuo a defender, a federação europeia e o aprofundamento da democracia. Penso que já era tempo de termos uma política externa comum, Forças Armadas únicas e o governo central saído do Parlamento Europeu, sabendo que já teria havido decisões que me contrariavam. Mas é assim que entendo a democracia, sujeitar-me à decisão dos que, pensando diferente de mim, ganham as eleições.

Entre a UE e a Rússia escolheria a primeira, mas uma coisa é a nossa pertença histórica, cultural e afetiva, e outra a imparcialidade de julgamento, ainda que nos prejudique.

Vale a pena lembrar, do que me recordo em tempos recentes, qual é o comportamento da minha Europa, sem esquecer que vai até aos Urais.

- Nos Estados Bálticos, na Estónia e Letónia, há 30% de cidadãos apátridas, excluídos dos direitos de cidadania, só por serem russos, sem que a União Europeia exija solução.

- O Chipre foi invadido pela Turquia e retalhado ao sabor do idioma e da religião sem que a Nato manifestasse a musculatura que exibiu no Iraque ao arrepio da legalidade, da ONU e da decência.

- A Jugoslávia foi desfeita de acordo com os apetites alemães, o proselitismo católico e o apoio da Nato.

- A Sérvia foi barbaramente bombardeada pela Nato e, contrariamente ao prometido, foi amputada do Kosovo para se transformar num centro de treino da al Qaeda e no quartel-general da circulação da droga.

Bastam estes exemplos para ferir a reputação euro/americana e desinteressar os povos do projeto comum que líderes sem grandeza estão a inviabilizar.»

Comentários

A. João Soares disse…
É indispensável o respeito pelos outros e pelos direitos de cada um à vida. Tanta destruição, tantas mortes, tantos feridos, tantos deslocados! Para quê e porquê? Cada ser humano deve ser respeitado.

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