Texto de ONOFRE VARELA - Vice-presidente da Associação Ateísta Portuguesa (AAP)

 Ateu graças a Deus 

É comum ouvirmos os crentes darem graças a Deus pelos mais diversos motivos: por terem saúde, por terem trabalho, por chover ou não chover, por fazer sol ou por terem feito boa viagem. 

Do mesmo modo, os fundamentalistas religiosos que exercem a sua fé do modo mais negativo, também invocam Deus antes de se fazerem explodir entre a multidão de um mercado, de uma estação de metro ou de um aeroporto. 

Excluindo desta apreciação os bandidos que matam convictos de estarem a executar uma acção de santidade (a fé religiosa na sua vertente mais demencial), sobram aqueles que têm de Deus a mais pacífica das imagens e, em seu nome, procuram ser bondosos… e muitos são-no realmente. 

Porém, numa boa mancheia deles encontramos, essencialmente, hipócritas. Afirmam-se boas pessoas dando esmola na igreja e oferecendo pacotes de arroz para missões caritativas, porque a ideia que têm de Deus é a de um polícia e juíz que espia e condena os crentes apanhados em falso. Se soubessem que Deus estava distraído… borrifavam-se na caridadezinha social e não davam nada a ninguém… nem sarna para se coçarem!… 

Aliás, este tipo de caridade é doentia, e em meu entender deveria ser substituída pela obrigação social do Governo em promover o bem-estar dos cidadãos. É essa a primeira, e mais importante, missão de um Governo. É para isso que ele existe (ou devia existir para isso!). A caridade nunca resolve o problema da fome. Pelo contrário, ajuda a mantê-la… (exceptuando casos pontuais como catástrofes naturais e guerras, por exemplo) e os carenciados deste ano são os mesmos do ano passado, acrescentados de tantos outros que a caridade produz por não atacar o problema na sua base. 

Só há caridade quando o Governo não é eficaz… há sempre alguém que se governa com ela e, seguramente, não são os pobrezinhos!... 

Nós estamos social e religiosamente programados para dar graças a Deus pelos bons desfechos. Dizemos “graças a Deus fizemos boa viagem”; quando chegamos bem ao nosso destino. Se houver um acidente, nunca dizemos “graças a Deus espatifamos o carro e o tio Zé morreu com o volante enfiado no peito”. O que não se entende!… Porque sendo Deus o guardião de todos nós, devia ser responsabilizado, também, pelos maus desfechos, pois retirou-se do seu posto de vigia precisamente no momento em que fazia mais falta!… 

E quando os meus piadéticos amigos (aqueles que se afirmam muito humildes mas têm a presunção de serem filhos de um deus… ao contrário de mim que me afirmo filho de um antropóide) me dizem “és ateu graças a Deus”, não fazem ideia da verdade que estão a proferir para além da anedota que os motiva a debitarem aquela frase feita e velha como o mundo. 

Vejamos: Um crítico literário, ou cinematográfico, só existe pelo facto de existirem a Literatura e o Cinema. Se não existissem estes, não havia razão para existirem aqueles! 

Do mesmo modo, um Ateu (a: partícula de negação; + teo: Deus) é um crítico do conceito de Deus. Se não existisse o conceito, não haveria lugar para a existência dos seus críticos. Na verdade é graças a (o conceito de) Deus, que os ateus (seus críticos) existem.

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico) 

OV

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Comentários

Monteiro disse…
Os Homens fizeram Deus à sua imagem e semelhança, pobre de espírito, mesquinho e vulnerável às súplicas que lhe gostam de fazer para a obtenção de bens e favores. Até na ficção cientifica vamos encontrar no Espaço os mesmos defeitos e dependências daquilo que gostaríamos de ser: Grandes, ricos, poderosos e donos do Universo, uma espécie de americanos em fim de ciclo que já tinham tudo pronto e preparado para tomar a Crimeia de assalto na semana seguinte não tivesse havido antes o assalto à Ucrânia. Deus só existe para quem acredita e a Fé não passa de uma obsessão que atira com as pessoas para um destino romântico dispostas a tudo fazer para conquistarem um lugar no paraíso e cujas igrejas são agentes espirituais que estão dispostas a tudo fazerem para bem do Bispo reinante e que ninguém consegue deter nem controlar, tais os milhões em jogo.

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