Batalhão de Caçadores 1936 – Queridos camaradas de Catur e Malapísia:
Há 56 anos, a bordo do Vera Cruz, deixámos familiares inconformados a acenarem no Cais de Alcântara, por entre as fêmeas sorridentes do Movimento Nacional Feminino, bufos, rebufos e outros biltres da ditadura.
Foi a mais inútil viagem das nossas vidas, para perdermos
ingloriamente alguns dos que foram e regressarmos os que sobrámos, a sangrar
por dentro, 26 meses depois.
Não sei quem decidiu marcar estes almoços, já o 31.º, no
sábado da semana da partida. Foi tão triste que só a chegada devia ser
recordada, mas o que nos traz é a reunião da família que somos, da única que
tivemos durante 28 meses, cada vez mais impacientes do reencontro anual, à
medida que sentimos que vão faltando camaradas e temos cada vez menos tempo
para chorar os que partiram e abraçar os que ainda vêm.
No último ano faleceram, dos que tivemos conhecimento, o Garrento,
o Serra, o Aristides e, já nesta semana, o nosso camarada Joaquim José de Jesus
Marques, então capelão, professor depois, honrado cidadão e democrata toda a
vida. Foi o último dos que se juntaram aos que ficaram em Moçambique e que hoje
e sempre recordaremos.
Hoje é o dia da celebração da amizade criada nos anos mais
longos das nossas vidas. O medo, a angústia e a ansiedade ficaram lá, nas
picadas lamacentas do Niassa, na clausura do arame farpado e no ruído de
disparos do IN [Inimigo]. Hoje é o dia do reencontro dos que voltámos, dos que
pudemos estar aqui, desejando voltar nos anos que ainda houver.
No dia de hoje, 7 de outubro de 2023, na impossibilidade de
todos dizerem a cada um o que gostariam, tenho a incumbência de a todos saudar,
especialmente aos familiares presentes, de transmitir o abraço fraterno de quem
um dia descobriu, de camuflado, a família que lhe coube, mais de dois anos, em
Malapísia e Catur.
Esta almoço anual é um ato de afeto onde cada abraço carrega
a fraterna amizade que nos une. A presença das famílias é um ato de
generosidade de quem se solidariza com os nossos sentimentos profundos nascidos
em Moçambique e cuja emoção transborda em cada novo reencontro.
Hoje, o Restaurante Varanda da Régua, o restaurante do
Fernando, um dos nossos, com a deslumbrante vista do rio Douro, lá em baixo, foi
o porto de abrigo do encontro anual para que nos convocaram o Barros, o Torres
e o Carlos Lopes. Não desistam de reunir os velhos camaradas para que, no
próximo ano, todos possamos dizer ainda: Presente!
Até sempre, Camaradas!
Varanda da Régua, 7 de outubro de 2023
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