SER-SE COMO SE É
Crónica de Onofre Varela
Há sempre razões para cada um ser como é e não de outro modo. Nada acontece por acaso. O próprio acaso, por si só, é o resultado da soma de “vários acasos”. O acaso é como a tinta na paleta de um pintor quando consegue a cor verde misturando azul com amarelo. Mas o verde assim conseguido não é um acaso fortuito… é sempre o resultado lógico de reacções físicas, químicas e matemáticas. Se cada cor tivesse menos ou mais quantidade, já o verde conseguido (o “acaso” que daí resultava) seria outro!…
As razões de sermos como somos, encontram-se no tempo imediatamente anterior a nós e repousam no fundo da arca da nossa vida. Se remexermos nela encontra-mo-las. Depois delas, vêm oportunidades de vida, percursos académicos e profissionais, realidades geográficas e antropológicas do meio que nos envolveu, ensinamentos familiares, interesses particulares e mera curiosidade, são algumas das outras razões que nos formatam, e às quais se acrescenta a inevitável e primordial transmissão genética (que faz parte do processo). Todos estes elementos são responsáveis pela construção e formatação intelectual de cada um. Ninguém nasce crente ou ateu, do mesmo modo que não se nasce a falar e a saber ler. A linguagem aprende-se no seio familiar desde o berço… e os credos religiosos também.
No meu caso particular, sou filho de pai nascido em 1912, quando a República Portuguesa ensaiava os primeiros passos. Talvez por isso cresceu republicano e anticlerical, que era a característica da Primeira República. Muito provavelmente o anticlericalismo também seria uma característica filosófica do seu pai, já que o nosso pai é, na maioria das vezes, a primeira fonte onde vamos beber o conhecimento e cujas atitudes copiamos. No caso, o meu avô era operário da indústria de panificação, um meio profissional onde cabia o descontentamento pela política praticada e pela ditadura religiosa acoplada à Monarquia, cuja filosofia ainda pairava no espírito português no início da República. A minha mãe (de apelido Pereira, logo, Cristã-Nova), nascida em 1923, pertencia a uma família católica. Crente, não tinha o hábito de ir à missa. Só o fazia quando entendia e podia, e não tenho memória de alguma vez a ter visto a caminho da igreja se não houvesse funeral, casamento ou baptizado (excepção feita após enviuvar, quando passou a assistir a missas com alguma regularidade). Por esta amostra se vê que o culto religioso não era coisa normal lá em casa. Nem normal, nem anormal… simplesmente… não era!
Familiarmente ensinaram-me o respeito devido aos outros e à Natureza. Cumprimentar e sorrir, falar com educação, não derrubar árvores ou arbustos nem pisar flores dos canteiros e jardins, e não maltratar animais, foram os primeiros ensinamentos caseiros de que tenho memória.
Agradeço aos meus pais o facto de não me terem lavado a cabeça com banhos de religiosidade deísta, permitindo-me ter pensamento próprio para raciocinar de acordo com a lógica natural do Ser Humano que sou, e de me orientarem no sentido cívico da postura cidadã e ética laica universal.
Muito obrigado, meus queridos pais.
(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)
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