A morte de Manuel Fraga Iribarne
A morte é o melhor detergente para a imagem de um defunto. D. Manuel Fraga morreu, certamente bem confessado e melhor comungado, com a homenagem de espanhóis dos vários quadrantes políticos, e não surpreenderá se, após o prazo canónico, fizer os dois milagres necessários e suficientes para a canonização. Não era pior do que santo Escrivà e outras centenas de beatos e santos criados pelo Vaticano para combater o PSOE e interferir na política espanhola, durante os dois últimos pontificados.
Fraga foi ministro da Propaganda de Franco, com a pasta da Informação e Turismo, de 1962 a 1969. Foi um fascista que apoiou o mais cruel assassino europeu do pós-guerra, não se lhe conhecendo a mais leve censura às centenas de milhares de mortos que, após a guerra civil, onde a violência foi comum aos dois lados da trincheira, foram fuzilados sem julgamento e atirados para valas comuns.
Vice-presidente do Governo e ministro dos Assuntos Internos, na transição democrática, este fascista pragmático teve papel importante na elaboração da Constituição espanhola, que acolheu a forma monárquica pretendida por Franco, e preparou-se para governar Espanha à frente da Aliança Popular. Derrotou-o a desconfiança dos espanhóis o que o obrigou a regressar à Galiza natal onde se perpetuou no poder enquanto a direita mudou de nome para Partido Popular (PP) e elegeu Aznar graças a um discurso moderado que não correspondia ao seu ideário.
Surpreende-me a facilidade com que se absolvem os cúmplices dos mais execráveis sistemas políticos e a paixão que despertam os indivíduos autoritários, desde a Coreia do Norte à democrática Espanha, desde Estaline e Hitler a Franco e Pinochet.
Contra a corrente, urge impedir que o incenso apague o odor dos ditadores e que a água benta limpe a memória dos carrascos. Em Espanha a liberdade religiosa é recente. Apenas a religião católica era livre e… obrigatória.
Comentários
Este excerto do post fez-me lembrar a canção de Violeta Parra sobre o fusilamento do dirigente comunista Julián Grimau, ocorrido em Madrid durante o franquismo (1963), quando Fraga Iribarne exercia as funções de Ministro da Informação e Turismo:
QUE DIRA EL SANTO PADRE
Miren como nos hablan de libertad
cuando de alla nos privan en realidad
Miren como pregonan tranquilidad
cuando nos atormenta la autoridad
Que dira el santo padre
que vive en roma
que le estan degollando
a sus palomas
Miren como nos hablan del paraiso
cuando nos llueven balas como granizo
Miren el entusiasmo con la sentencia
Sabiando que mataban ya a la inocencia
Que dira el santo padre
que vive en roma
que le estan degollando
a sus palomas
El que oficia la muerte como un verdugo
tranquilo esta tomando su desayuno
????? el trigo por lo sembrao
regao con tu sangre Julian Grimao
Que dira el santo padre
que vive en roma
que le estan degollando
a sus paloma
Entre más injusticia, señor Fiscal
Más fuerza tiene mi alma para cantar
Con esto se pusieron la soga al cuello
El sexto mandamiento no tiene sello
Que dira el santo padre
que vive en roma
que le estan degollando
a sus paloma
A morte de Fraga Iribarne é, na sua expressão humana, o desaparecimento de uma vida, o que é sempre motivo de condolências. Tal facto, não nos obriga a alinhar com as glorificantes encenações e emulações políticas - ao arrepio da História - que, neste momento, decorrem em Espanha.
Nestas circunstâncias prefiro alinhar por um outro diapasão: Pela memória histórica que com serenidade, justiça e humanidade, julgará todos os homens e mulheres (de ambos os lados da barricada) que foram perseguidos, violentados e mortos durante a guerra civil e cujos nefastos efeitos prosseguiram na ditadura franquista.