Olimpíadas, dirigismos & intoleráveis saudosismos…

A representação portuguesa aos Jogos Olímpicos de Londres/2012 partiu desfalcada de alguns desportistas que sofreram ao longo da preparação lesões e, como todos pudemos observar, os resultados obtidos foram modestos, sem envergonhar. Fomos para Londres competir e fizemo-lo honestamente e sem complexos. Os resultados traduzem o baixo índice de prática desportiva num País europeu, periférico, com uma base de recrutamento reduzida (alguns milhões de habitantes).

No final dos jogos teceram-se múltiplos comentários sobre a preparação dos atletas bem como sobre o financiamento libertado para essa preparação. Pretendiam os seus autores – e foram vários – prevenir ou colmatar erros detectados no presente com vista à futura representação nos Jogos do Rio de Janeiro/2016.
O presidente do Comité Olímpico Português, Vicente de Moura, assumiu - como lhe competia - publicamente a responsabilidade pelos resultados alcançados e, estando de saída do cargo (que exerce desde 1997) , permitiu-se levantar algumas questões essencialmente do foro organizativo. Até aqui tudo bem.
Eis senão quando tem uma inacreditável e espantosa tirada: “acha que deve ser recuperada a Mocidade Portuguesa, mas sem conotações políticas…”. link

José Vicente de Moura é um oficial da Marinha de Guerra, reformado (tem 75 anos). É, portanto, um homem que viveu largos anos sob a ditadura salazarista e que tem obrigação de conhecer o que foi a Mocidade Portuguesa.
Deveria recordar-se que a dita MP tinha por missão (definida em 1936): ‘estimular o desenvolvimento integral da sua capacidade física, a formação do carácter e a devoção à Pátria, no sentimento da ordem, no gosto da disciplina, no culto dos deveres morais, cívicos e militares’.
Quando reformulada em 1966 por se considerarem obsoletos e ultrapassados os objectivos iniciais mantiveram características de acordo com os objectivos políticos da ditadura e em consonância com o período da guerra colonial tendo sido [re]definidos os seguintes objectivos: …’servir cada vez melhor o alto ideal da formação da juventude à luz dos imperecíveis princípios e valores da civilização cristã, que sempre têm presidido, e continuarão a presidir, aos destinos de Portugal…’ link

Aliás esta organização de juventude é extinta no dia 25 de Abril de 1974 (Dec.-Lei 171/74 da Junta de Salvação Nacional link) conjuntamente, com a Direcção-Geral de Segurança (ex-PIDE), a Legião Portuguesa, Secretariado para a Juventude, etc, portanto, em 'boa companhia'...

Não vale a pena teorizar sobre o papel ideológico desta organização de juventude (MP). Este tipo de organizações juvenis ‘abrilhantaram’ os regimes totalitários e ditatoriais europeus dos anos 30 até ao final da II Guerra Mundial e, no caso português chegaram até nós inspiradas nos modelos italiano (Balilas) e alemão (Hitlerjugend). Depois de 1945, estas organizações extinguiram-se na Itália e Alemanha, resistindo em Portugal porque a ditadura salazarista sobreviveu ao fim da Guerra.
A MP foi umas organizações de ‘carácter milicial’ (depois dos 14 anos entrava-se nas ‘milícias’) que estimulavam um adestramento pré-militar (na disciplina, nas paradas, nas hierarquias e nos seus uniformes) e em que incessantemente era difundida a ‘sagrada’ trilogia sustentáculo dos regimes de então: Deus, Pátria e Família.

As actividades desportivas eram subsidiárias de objectivos militares e orientadas para disciplinas afins (esgrima, boxe, vela, etc.) e a ‘instrução ‘ entregue a oficiais das Forças Armadas ou a graduados da Legião Portuguesa. Aliás o regime do Estado Novo nunca escondeu os objectivos políticos que eram a 'essencia' desta organização juvenil. O ministro da Educação Nacional (é significativa esta designação), Carneiro Pacheco, em 1936, sintetizou os seus objectivos: “Dar a primeira formação, no sentido do vigor físico da raça, da rectidão do carácter e da consciência nacional…”.
Está tudo dito.

Se o comandante Vicente Moura defende este tipo de organizações para a promoção do desporto em Portugal temos de constatar que, provavelmente, a circunstância de presidir durante 15 anos ao Comité Olímpico Português, não passa de um equívoco. E o facto de defender uma 'nova' MPsem conotações políticas’ se não for uma macabra ironia é o expoente máximo de uma irresponsável ingenuidade política.

No entanto, se a controvérsia à volta das modestas prestações da representação olímpica portuguesa em Londres/2012 vai permitir ‘libertar-nos’ deste inefável dirigente olímpico, então, creio que poderemos confiar na preparação para o Rio de Janeiro/2016, sem estigmas ‘militarizantes’ e, pelo contrário, apostar nas organizações e sistemas que a sociedade civil souber (ou puder) criar, desenvolver e aperfeiçoar, em liberdade e na sede própria, i. e., no domínio do associativismo desportivo…

Comandante Vicente Moura: adeus e passar bem!

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