O 10 de junho, o ridículo e a Senhora de Fátima
Não vou falar da Senhora de Fátima, a única personagem que
tem mais heterónimos do que Fernando Pessoa. Vou referir-me aos exóticos edis
da Câmara de Ourém, aos seus anseios autárquicos e à frivolidade das reuniões
camarárias.
Segundo o jornal «O Mirante», a
edilidade de Ourém, “quer comemorações do Dia de Portugal em Fátima”. O
delírio místico, próprio da região, partiu de um edil do PSD que pretende as
referidas comemorações, em 2013, na Cova da Iria, um terreno de pastorícia que
as cambalhotas do Sol e as visões da Irmã Lúcia transformaram num lucrativo local
do setor terciário, quer no sentido da ciência económica quer na prática litúrgica,
graças à promoção do terço.
A justificação baseou-se na importância «que o santuário de
Fátima tem para Portugal e para o mundo», justificação que colheu a unanimidade
do executivo municipal (PS/PSD/CDS) e levou à decisão de manifestar tão pia
vontade ao Presidente da República.
Com tal argumento certamente se justificariam muitos outros
eventos, nomeadamente de natureza desportiva, dadas as dimensões do santuário e
as infraestruturas hoteleiras.
O 10 de junho, há muito que perdeu o sentido republicano,
com que o feriado foi criado, para se converter na lúgubre evocação da
cerimónia com que o salazarismo glorificava a guerra colonial. O atual PR
acedeu a ser presidente da comissão de honra da canonização de Nun’Álvares depois
daquele milagre que o guerreiro medieval obrou no olho esquerdo de D.
Guilhermina de Jesus, curando-a da queimadura provocada pelos salpicos do óleo
fervente de fritar peixe, mas a República, apesar da ofensa da canonização ao
herói de Aljubarrota e das genuflexões do PR, continua laica.
Será que os trogloditas que formam o executivo camarário de
Ourém, habituados a andar de joelhos e a rastejar, sabem o que significa a
laicidade do Estado?
Hoje pede-se que as comemorações do Estado se realizem num
santuário mariano, quiçá à luz das velas, com o PR a ser recebido pelo batalhão
de servitas de Fátima e com uma charanga de cónegos a tocar o Avé. No futuro assistiremos
à procissão do «Adeus» a sair da Assembleia da República.
Comentários
Não me admira nada que um edil do PPD faça essa proposta de "copo e vela".
Infelizmente, e isso é muitíssimo mais grave, também já não me admiraria muito que o atual PR - dados alguns antecedentes - viesse a colaborar na farsa.
O que ainda - sublinho o "ainda"- me admira um bocado é que o PS local tenha apoiado a piedosa ideia e não tenha sido desautorizado. Quo vadis, PS?
Portanto, para além de ser ridículo será também uma abstrusidade.
Só não se entende porque razão o PS integrou essa 'unanimidade' (camarária). A não ser que a promoção do caciquismo tenha capturado - integralmente - agenda política do Poder Local.
Nada do que está a suceder neste País nos deve surpreender. Existem sempre duas razões: ou está no memorando da troika ou não há alternativas...
E o racional é aguardar a criação a 'festa de S. Camões'. Mesmo não existindo nenhum 'santo' com esse nome. Pode perfeitamente transformar-se numa questão de 'empreendedorismo'. Um jargão que passou a justificar tudo...