O AO-90 e os desacordos imperdoáveis

Compreendo os argumentos, de um lado e de outro, o horror à mudança, a nostalgia das consoantes mudas e de alguns hífenes, o temor de palavras homógrafas e homónimas, e surpreende-me que se continue a contestar o tratado em vigor, sobre cujo mérito não me pronuncio, que apenas pode ser renegociado ou objeto de denúncia unilateral.

Há quem faça de um tratado internacional vinculativo, depois de assinado, referendado, em vigor desde 13 de maio de 2009, o combate da sua vida, e um diário de referência a insurreição ortográfica permanente. Há quem ignore ainda a obrigatoriedade do AO nas escolas portuguesas desde setembro de 2011 e três meses depois nos demais organismos do Estado. Aceito a acrimónia pessoal, surpreende-me a peleja por uma causa perdida.

Convivo bem com a ortografia pré ou pós-acordo, incomoda-me, sim, a prevaricação ortográfica sistemática comum a ambas as opções.

Ver a palavra ‘facto’ numa legenda televisiva, sobretudo na RTP, com o ‘c’ exonerado da palavra, que nunca o perdeu em português de Portugal, incomoda-me muito.

O que nunca julgaria possível era a canibalização do português de Portugal, à margem do Acordo, pelo português do Brasil. Surpreendem-me os portugueses que nunca foram ao Brasil e, muito provavelmente, não leem traduções brasileiras, passarem a escrever sinônimos, antônimos e homônimos ou crônicas, com o mesmo à-vontade com que me enviam pedidos para ‘repassar’ as mensagens que circulam nas redes sociais.

Estupefazem-me os que nasceram e viveram em Portugal, com o nome ‘António’ e, de motu proprio, passaram a Antônio, ao arrepio do Registo Civil.

Podem pensar que é gracejo, mas estejam atentos e procurem o perfil de cada Antônio que comenta os textos que escrevo no Faceboock.

Pode ser que esta advertência os faça regressar ao nome de registo onde o acento agudo foi usado e o circunflexo passou a dupla prevaricação ortográfica, por ser desconforme com o registo civil e com o idioma autóctone.

Este, sim, é um desacordo imperdoável com a ortografia da língua cuja sintaxe se mantém inalterada e o verbo haver merece maior respeito.

Comentários

rui esteves disse…
Essas palavras que citou, têm muito a ver com o corrector ortográfico, que deve estar a utilizar o português do Brasil. É vulgar eu querer escrever António e o corrector teima que é Antônio. Quanto ao AO, a que inicialmente aderi, acabei por fazer marcha atrás ao constatar que algumas regras são aberrantes e deviam ser alteradas. Não houve a mínima concessão, acham que têm uma obra acabada e sem qualquer erro. Não têm. Pronto, sem problema - borrifo-me no AO e continuo escrever como aprendi.
Rui Esteves:

O problema é a impossibilidade de voltar atrás, depois de 9 anos de escolaridade sob os auspícios do AO-90. Por isso, esforço-me por aprender a dominá-lo. Não fui um entusiasta, mas raciocino como se ainda fosse professor.

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