O último suspiro de Salazar – Há 50 anos

Com odor a santidade, aroma adequado a cadáveres adiados, faleceu no dia de hoje o mais longevo ditador europeu do século XX.

Privou-o a providência, isto é, a extremada dedicação da GNR e da Pide, que se finasse por vontade do povo, e a defunção de assistir ao 25 de Abril, data que, desde o início da ditadura, merecia. Não lhe faltaram o conforto dos sacramentos, as exéquias pias, a força pública e o público à força, nem as carpideiras habituais, para o homenagearem.

O déspota de Santa Comba teve uma paixão e uma identidade ideológica, a alma gémea que o fascinava, o mesmo infame que levou o papa de turno a considerá-lo «enviado da Providência». Chamava-se Benito Mussolini e habitava o coração de Salazar, com uma foto autografada, dentro da moldura da sua mesa de trabalho.

O alívio foi vivido em radiante silêncio, por uns, e em ruidosas manifestações de júbilo, por outros, enquanto a desorientação e a ansiedade perturbaram por curto espaço de tempo os cúmplices e algozes do povo.

Morreu quem nunca devia ter nascido.

«Se este homem insubstituível franze o sobrolho
Dois reinos periclitam
Se este homem insubstituível morre
O mundo inteiro se aflige como a mãe sem leite para o filho
Se este homem insubstituível ressuscitasse ao oitavo dia
Não acharia em todo o império uma vaga de porteiro.»

(Bertold Brecht)

Apostila: Texto antigo, republicado no cinquentenário do seu passamento.

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