A Universidade de Coimbra e a missa da Imaculada
A Universidade de Coimbra preza as tradições, e, à semelhança de novas universidades, é capaz de transformar em tradição um despautério do ano anterior. Sendo a escola onde os alunos se reveem, é natural que a queima das fitas se transforme, já no próximo ano, à semelhança do atual, na gloriosa tradição da transmissão Covid, como acontece com a divertida tradição do roubo e vandalização dos carros de compras dos supermercados.
Há, no entanto, uma tradição instituída pelos últimos
reitores, Magníficos por profissão, que afronta o Estado laico, convidarem
professores, alunos e funcionários para a missa. O reitor não é o almuadem
romano cujas funções o transformem em sacristão, capaz de conduzir a caldeirinha
e o hissope atrás do capelão.
O Magnífico Reitor pode, como crente, deliciar-se com a
missa e a hóstia diariamente, mas nunca invocando as funções que exerce e que
honrados docentes contestam. Aliás, o Professor Vital Moreira já sugeriu a
criação da associação de professores católicos que, essa sim, teria
legitimidade para convidar professores, alunos e funcionários para os atos pios
que entendesse, da missa ao mês de Maria, das novenas ao terço diário.
O que o Magnífico Reitor não pode, nessa qualidade, cuja neutralidade
religiosa é uma questão de decência, civismo e legalidade, é convidar quem quer
que seja, para atos de culto de uma religião do foro íntimo de cada cidadão.
O Reitor entende que na [sua] Universidade, onde a tradição
e os dinheiros públicos mantêm um capelão, deve ser ele e o capelão a
convidarem os professores, alunos e funcionários, para a missa de homenagem à
padroeira da Universidade – a Imaculada Conceição –, que terá lugar a 8 de
dezembro, pelas 12H00, na capela de S. Miguel.
Que o capelão, no exercício das funções, convide os créus a
assistir a uma cerimónia da sua religião, compreende-se. Permite, aliás, ver a
magnífica capela, uma relíquia da arte sacra, e, no caso dos devotos, venerarem
um dos numerosos avatares da mãe de Jesus que o Papa Pio IX, em 8 de dezembro
de 1854, tornou dogmaticamente concebida sem Pecado Original, uma velha crença
do século XVI, adotada pela UC em 1646.
É inaceitável que a mais alta entidade de uma Universidade
se comporte como o diretor de uma escola confessional ou o mullah de uma madraça.
Quem preside ao areópago da Ciência e das Humanidades não pode estimular as
coisas pias, sobretudo num país laico onde a separação das Igrejas e do Estado
é constitucionalmente obrigatória.
Foi esta mentalidade que levou uma beata professora, quando
vice-reitora, a propor a recriação da Faculdade de Teologia, em Coimbra, o que
não conseguiu porque o bom senso e a formação cívica do corpo docente a
inviabilizaram.
Uma Faculdade de Teologia teria certamente licenciaturas em
islamismo, cristianismo e judaísmo, bacharelatos em hinduísmo, xintoísmo e
budismo, graduações em lançamento de búzios, mestrados em tarô e bruxaria, e
doutoramentos em esoterismo.
O Reitor traiu a ética. A Universidade devia ser o último reduto na defesa da laicidade e não a vanguarda do convite à genuflexão pia, à prática litúrgica e à devoção.
Ponte Europa / Sorumbático
Comentários
Antero de Quental continua a ter razão.