Rússia / Ucrânia - 5 – “Devem ouvir-se igualmente ambas as partes” – (Demóstones, in Oração da Coroa, 330 a.c.)

Eu sei que não se pode destoar da visão radicalizada, convertida em dogma, sem que se afirme, “condeno veementemente a invasão russa da Ucrânia”, o que faço, uma vez mais, sem constrangimento, mas surpreende-me que a UE não a tivesse previsto, depois dos antecedentes da Geórgia, da Crimeia e dos reiterados avisos de Putin.

Eu sei que Zelensky, PR da Ucrânia, tem mostrado uma coragem heroica, mas preferia que tivesse tido bom-senso, antes de sugerir, agora, estar disposto a deixar cair a adesão à NATO e a discutir o estatuto da Crimeia, Donetsk e Luhansk.

Eu sei que o PR ucraniano tem procurado estender a guerra a nível mundial para não ser derrotado sozinho, apelando à declaração de interdição do espaço aéreo ucraniano, o que a Nato tem recusado por saber que, se abater aí o primeiro avião russo, pode iniciar a retaliação de Putin com a guerra nuclear e a destruição do Planeta.

Eu sei que nunca se deve encurralar uma fera ferida, e que é politicamente incorreto não me empolgar com o sofrimento do povo russo e, de forma egoísta, pensar que também a minha UE, que, sobretudo agora, desejo federalizada, fará sofrer a sua população.  

Não sei se será crime perguntar como pôde a União Europeia exultar com as sanções a Putin, sabendo que se voltariam contra si própria, perderia a capacidade de mediação e não podia alterar a dependência da energia e dos cereais russos. Aumentou o sofrimento dos seus países e debilitou a capacidade de proteger milhões de refugiados ucranianos.

Não sei como a UE foi tão rápida a defender os interesses dos EUA que, desta vez, não coincidem com os seus; os de Boris Johnson, que mantém o poder no RU com a guerra que fez esquecer as suas traquinices lúdicas durante a pandemia; e assistiu a uma súbita aproximação de Washington a Maduro, a quem não reconhecia sequer como Presidente da Venezuela, sem renunciar à condição de satélite dos EUA e cuidar dos seus interesses.

Não sei se a russofobia, acicatada na UE, se tornou obrigatória, como se o povo russo, incluindo os adversários de Putin, devesse ser punido pela invasão da Ucrânia.

Não sei como países democráticos da UE se conformaram com a decisão do Conselho Europeu, ao banir as cadeias de informação russas do espaço mediático ocidental, numa atitude simétrica à censura na ditadura russa.

Não sei um número interminável de coisas, só sei que a Humanidade está ameaçada, a pandemia esquecida, os refugiados não caucasianos abandonados, o aquecimento global desprezado, a água potável, os alimentos e a qualidade do ar ameaçados e os ucranianos a viverem mais uma sangrenta tragédia, talvez a maior da sua História e a maior da Europa depois da guerra de 1939/45.

Nunca vi tantos entusiastas da guerra, a atirarem mísseis do sofá, depois da euforia com que inicialmente os portugueses despolitizados acolheram, em 1961, as palavras do ditador, “Para Angola, rapidamente e em força”.

Então, como agora, o arrependimento virá tarde, se lá chegarmos.

Ponte Europa / Sorumbático

Comentários

Lúcio Ferro disse…
Pode ser que não, quando a malta começar a ver a guerra a entrar-lhes pelas carteiras dentro, talvez se comecem a interrogar. Também é possível que isso não valha de nada, pois já pulalam por aí os do costume a dizer que 'temos de fazer sacríficios' (regra geral malta do setor petrolífero ou amigos), que temos de 'comprar armas', etc, etc.
JA disse…
Mais um grande texto, caro senhor Carlos esperança.

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