Marcelo e o dom da ubiquidade

Embora cético, para além do ser imaginário que me garantem estar em toda a parte, foi de um frade português emigrado, conhecido pelos devotos por António de Pádua ou de Lisboa, conforme o País, e, em ambos, por Santo António, que soube do referido truque.

Se, no domínio da metafísica e de outras artes esotéricas, é difícil imaginar que alguém possa estar em dois lados ao mesmo tempo, milagre simétrico ao de o mesmo lugar ser ocupado simultaneamente por duas pessoas, no domínio da política tornou-se banal.

Há quem esteja ao mesmo tempo em todos os canais generalistas da TV, várias vezes, assustando-me ao abrir a janela, com receio de que me entre em casa pelo 3.º andar.

Mas, se admiro a ubiquidade da pessoa, ainda mais me maravilha a capacidade de falar em nome do Governo e dos autarcas, dos bombeiros e dos incendiários, dos empresários e dos trabalhadores, da saúde pública e das doenças, da ciência e da fé, dos acidentes e da segurança, da culinária e da literatura, dos milagres e dos vírus, do passado e do futuro, enfim, um analista frenético de assuntos em que devia conter-se.

Surpreende que defenda de igual modo o SNS e os hospitais privados, as Misericórdias e as IPSS laicas, os colégios e o ensino público, Bolsonaro e o Papa Francisco, a Dr.ª Isabel Jonet e os pobrezinhos, as mercearias de bairro e as grandes superfícies, o confinamento e o desconfinamento, a vichyssoise e a sopa da pedra, os bifes de soja e o leitão à Bairrada.

É preciso muita experiência a rezar o terço dentro de água e grande ecletismo para se ser presidente vitalício da Junta da Fundação da Casa de Bragança e interromper as funções para ser, no intervalo, PR durante dez anos.

É como jurar a CRP, laica, e certificar que as cambalhotas do Sol na Cova da Iria foram milagre e que uma senhora andou a saltitar de azinheira em azinheira, em 1917, como as libelinhas, de nenúfar em nenúfar, nos lagos das cidades.

Hoje ensinou como deve comportar-se um ex-PR quando apenas se exige a que o é, que aprenda a comportar-se. Quem sabe, faz; quem não sabe, ensina.

O dom da ubiquidade é um milagre permanente, mas só os eleitos o obram.

Comentários

Monteiro disse…
Consegue ser ubíquo e ambíguo coisa que nem sequer o Santo António era capaz de ser sem contar que também consegue ser anfíbio e assim estar tanto na terra como no mar. Prefere o altar das igrejas enquanto o outro uma estátua já lhe servia e cabe ao PM despachar todos os processos sem necessidade de maioria qualificada. Rir é ainda a melhor solução se entretanto o povo não acordar.

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