Da Primavera Árabe ao inverno muçulmano
O júbilo da comunicação social dos países democráticos com a queda das ditaduras do Norte de África pareceu-me sempre exagerado. Não que a queda dos ditadores me deixe triste mas porque, em contexto religioso, pressinto os piedosos facínoras que se seguem.
Assustou-me a amnésia colectiva em relação à ascensão da Frente Islâmica de Salvação (FIS) na Argélia cujo pavor levou ao golpe de Estado que impediu a segunda volta das eleições em 1992, eleições que, a terem lugar, como estava previsto e era justo, dariam a vitória aos fanáticos religiosos. Não esqueço a onda de euforia que percorreu o Irão após a queda de Xá Reza Pahlavi, um déspota corrupto, com o regresso do exílio do aiatola Khomeini, com cheiro a santidade.
Não esqueço as palavras do infalível Pio IX que considerava o catolicismo incompatível com a democracia e a liberdade, nem as tolices do Corão que nas mesquitas e madraças intoxicam desde a infância as legiões de crentes.
Não conheço nenhuma religião que tenha lutado pela democracia e pela liberdade mas não faltam exemplos de ditaduras apoiadas pela fé e violências cometidas em nome do deus imposto. A vocação totalitária é comum ao cristianismo e ao islamismo mas, enquanto o primeiro foi moldado pela cultura grega, pelo direito romano, pela Reforma e pela pressão secular, o islamismo não conheceu o Iluminismo, a Revolução Francesa e a derrota dos seus próceres. O Papa foi derrotado por Garibaldi, o secularismo sobrepôs-se às sotainas e o pluralismo e a emancipação da mulher criaram a superioridade moral das democracias em relação às teocracias.
A decadência da civilização árabe, a pobreza e o atraso dos povos submetidos ao Corão, fizeram do Islão o mais implacável monoteísmo, uma cópia grosseira do cristianismo que legitima todos os poderes e as atrocidades praticadas nos países árabes e não árabes, nomeadamente no Irão e na Turquia.
Há a tendência de apelidar de moderado o proselitismo islâmico em curso na Turquia onde os pilares da laicidade – os militares e os juízes – vão sendo assassinados ou neutralizados. O legado de Kemal Atatürk vai definhando com o apoio e simpatia dos países europeus e dos Estados Unidos. Nos países islâmicos, até prova em contrário, não está em curso uma Primavera política, assiste-se à queda de ditadores laicos a substituir por ditadores pios. O Iraque, a Tunísia, o Egipto e a Líbia conquistaram a liberdade de votar democraticamente a supressão da democracia.
Como espero enganar-me!!! E não ouvir falar da sharia como fonte de todos os direitos, isto é, de todas as iniquidades.
Ponte Europa / Sorumbático
Comentários
Todos estes equívocos, que alguns dirigentes políticos ocidentais desperados amamentam, têm o seu tempo de maturação.
Mas amadurecem todos, como os figos!
É o que dá o copy/paste (como se diz em português).Já corrigi. Obrigado.
Partilho o seu moderado pessimismo e a esperança de que nos enganemos...
Não confio em democracias adjectivadas.
Não há democracias cristãs, muçulmanas, budistas ou judaicas.
Há democracias e ditaduras e, sem laicidade, não há democracia plena.
É através da caridade e da confiscação da educação e da assistência que os regimes totalitários se instalam.
Identifico-me mais com o A. H. P.
(Trecho da crôncia "Kadafi está morto. E agora?..." no blog Letras da Torre. http://letrasdatorre.blogspot.com/
Mantenho o meu pessimismo. Compreendo a sua posição e a lógica que lhe assiste.