Do Pontal (uma espécie de Choupal algarvio) até à Lapa (S. Caetano)…

Passos Coelho ontem em Quarteira (...com as mãos cheias de nada)
Ontem, num cerimonial anualmente reeditado – mais uma vez em Quarteira - como sendo a ‘rentrée’ política do PSD, 'saudosisticamente' denominado como a ‘Festa do Pontal’, Passos Coelho, revelou estratégias a curto prazo link .
 
E a primeira foi que não tenciona abandonar a liderança partidária. Confrontado com um período eleitoral muito próximo, do qual poderá depender a sua continuidade na direção do PSD, ignorou olimpicamente esse facto. Preferiu anunciar que para o ano haveria mais (pretende que seja ‘mais do mesmo’).
 
Muito a medo, abordou o bom momento da situação económica nacional onde um crescimento económico mais robusto, uma descida das taxas de desemprego e o equilíbrio orçamental foram por si encarados com sendo, em primeiro lugar, uma consequência da conjuntura europeia e no que aí não cabe uma natural projecção da sua governação. Deu a sensação que tudo decorreria assim mesmo que não existisse governo. Mas Passos Coelho não pretendia fazer a apologia da anarquia. Queria cavalgar o bom momento para fazer reformas, ditas estruturais, salientando entre elas, a do Estado, a da Segurança Social.
 
O dirigente do PSD nunca foi capaz de enunciar com clareza e objetividade o conteúdo dessas ditas reformas. De concreto conhecemos a proposta de plafonamento das contribuições para a Segurança Social como um encapotado veiculo para uma privatização a médio prazo e quanto à celebrada reforma do Estado penso que continuará agarrado ao patético documento concebido pelo seu ex-companheiro de Governo, Paulo Portas, cheio de vacuidades, onde a máxima seria ‘menos Estado, melhor Estado’, à boa maneira neoliberal.
 
Mas a Oposição, neste momento, contraditoriamente ao que na decorrência do seu arsenal doutrinário pensa e sente, decidiu ignorar questões estratégicas que sempre foram o seu cavalo de batalha (o crescimento económico, p. exº.) e colocar o acento tónico nas funções do Estado. E agarra-se a uma situação trágica que incendeia o País, de lés-a-lés, destruindo vidas, património e valor, para em contrapé valorizar a existência de um ‘Estado Forte’.
Num dia desvaloriza o Estado para no dia seguinte – explorando sentimentos de medo e insegurança decorrentes da imensa fogueira que está a apossar-se do País – aparecer a (re)clamar por mais Estado. Mais uma vez escamoteia a realidade com efabulações hipócritas.
Quer menos Estado mas o que tiver de existir deverá ser forte, autoritário e repressivo. E, porque lhe dá jeito agora, se possível, omnipresente.
 
E a hipocrisia revela-se, por exemplo, na abordagem do SIRESP. No comício estival vem dizer que o SIRESP, cujos falhanços têm sido notórios e vêm sendo revelados a conta-gotas até chegar ao ponto de afirmar que ‘o SIRESP tem a cara do primeiro-ministro’ é uma veleidade para não dizer uma estulta ousadia.
O problema não é a existência de um sistema integrado de rede de comunicações para situações de emergência e crise. Esta necessidade é um requisito mínimo operacional e não oferece qualquer tipo de contestação.
A questão é como se construiu e se alimentou esse sistema. A sua implementação prática deve-se ao Governo de Santana Lopes (já em gestão corrente) e aos conluios (que continuam obscuros) relativos à parceria com o BPN, isto é, com o ‘lobby financeiro cavaquista’ apostado em capturar o Estado. A PT, nesta altura, 2005, não era um problema major, já que (ainda) era uma empresa com participação pública, muito embora estivesse na forja – a médio prazo – a sua privatização.
 
António Costa, ministro da Administração Interna, no primeiro governo de José Sócrates, é confrontado com os primeiros indícios de ‘disfuncionalidade’ do sistema quer operacional quer contratual e tenta corrigi-los. Comete o erro de não questionar a sua propriedade e em que medida a alienação de uma tutela direta por parte do Estado poderia fragilizar ainda mais este sistema de comunicações, que nasceu torto.
 
Desde então a situação arrasta-se penosamente e a privatização total de PT a par da derrocada do BPN deveria ter induzido alterações radicais no controlo do SIRESP. Nada disso foi feito, e todos os governos contemporizaram esta situação, desde há 12 anos (2005 a 2017). Pelo meio, existiram mais dois 'ajustamentos' (Governo de José Sócrates) mas, também, existe o Governo de Passos Coelho que durante 4 anos e meio deixou correr o marfim e pretende agora dissipar (ocultar) responsabilidades, ‘lavando a cara’ (expressão africana que o líder do PSD deve conhecer bem).
Somos levados a pensar que nos 4 anos e meio de governação PSD/CDS o SIRESP funcionou sem problemas. Ou, pelo menos, que as circunstâncias climáticas, ambientais ou até criminosas, felizmente para os portugueses, não o puseram à prova. Porque, na verdade, as fragilidades, de toda a ordem, desde o modelo de PPP e às insuficiências técnico-operacionais, presentemente evidenciadas, sempre estiveram lá. São anomalias congénitas. Isto é, quem nasce torto, nunca se endireita.
 
O SIRESP foi até aqui uma espécie de monstro adormecido que faz recordar o mitológico Prometeu tendo despertado para roubar o fogo no Olimpo para o entregar aos Homens. Prometeu - segundo a mitologia - acabou 'agrilhoado'. É de crer que a estratégia do PSD para colonizar politicamente o drama dos fogos florestais, esteja a seguir o mesmo caminho.
 
Na verdade, quando Passos Coelho, este ano, na peroração algarvia (a última?), evoca a revisão constitucional de 1989, que aboliu a ‘irreversibilidade das nacionalizações’, inicialmente inscrita na Constituição decorrente do 25 de Abril, pretende esconder um receio que, no presente, o assalta e assusta. Isto é, a eventual integração do SIRESP no sector público é uma situação que, dia a dia (de relatório em relatório), se afigura como a solução viável, capaz de dar segurança aos portugueses e clarificar os termos de responsabilidade política, perante a catástrofe recorrente dos fogos de Verão. 
 
Mais desfaçatez exibe ainda Passos Coelho quando invoca que uma redefinição da ‘delimitação dos sectores’ exigiria uma maioria parlamentar qualificada. De facto, não sentiu tal necessidade quando desatou, de 2011 a 2015, a privatizar tudo (incluindo sectores estratégicos) a torto e a direito. O reverso não é – na opinião do dirigente do PSD – plausível.
 
Uma autêntica ‘algarviada’, num Pontal ausente e numa Quarteira alheada e apática, sem pachorra para escutar alvitres e ressabiamentos, porque a tarefa prioritária é o contar de espingardas…

Comentários

Passos Coelho esgotou o prazo de validade e Cavaco apareceu numa breve ressurreição de quem esgotou há muito todos os prazos.

Foi assim a Festa do Pontal, uma espécie de Réquiem para um partido que quis ser social-democrata e acabou populista e neoliberal, com Passos e Cavaco, ambos fora do prazo.
e-pá! disse…
CE:

No post, por razões de economia de texto, não foi abordada a deriva política que um Passos Coelho acossado está a tentar imprimir ao PSD.
Na verdade, quando escorrega para as questões sociais, Passos Coelho, estampa-se ao comprido.
Ao tratar - na rentrée - da questão da emigração, aproveitou para exibir uma postura xenófoba e inventar um 'radicalismo de esquerda' que não passará da transposição de uma diretiva europeia. Pior, acenou que o acolhimento de emigrantes poderá 'promover' a insegurança, agitando o espectro do terrorismo.
No desespero vive a tentar diabolizar o mundo, cultivar ódios e a espalhar o medo. Mostrou que a questão da candidatura racista de André Ventura à Camara de Loures não é um mero incidente.

Algo de tenebroso está a contaminar o PSD.
Perdido o élan neoliberal que a 'geringonça' (palavra que citou em Quarteira à ultrance) escavacou, a nova aposta política é reunir todos os condimentos, para recentrar o PSD na extrema-direita, populista e xenófoba.
O País deverá estar atento à construção deste novo embuste político. O 'travestismo social-democrata' tem limites.

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