Questão de reciprocidade

Leio que Putin, perante o desejo do rei da Arábia Saudita de comprar um grande terreno em Moscovo, para erigir uma grande mesquita a expensas sauditas, lhe terá dito que não havia qualquer problema, só carecia de permissão para edificar, na Arábia Saudita, uma grande igreja ortodoxa.

É irrelevante que a isso se tenha oposto o rei desse Estado Islâmico cujo financiamento do terrorismo é esquecido pelos beneficiários ocidentais da sua riqueza de combustíveis fósseis, ao ponto de lhe conferirem alvará de “amigo do Ocidente”. Argumentar que não seria possível pelo facto de a religião dele ser verdadeira contrariamente ao cristianismo ortodoxo, ou o facto de Putin lhe ter afirmado pensar exatamente o contrário, é irrisório face ao que está em causa.

Neste caso nem a veracidade da notícia é importante, o que está em causa é a cobardia dos governantes dos países democráticos em exigirem a reciprocidade que se impõe na relação entre Estados.

Para quem defende a superioridade moral das democracias e dos Estados laicos perante os totalitarismos religiosos ou políticos, considero um pressuposto ético a exigência da reciprocidade que Putin alegadamente exigiu ao monarca medieval de um país pária que suborna os líderes pusilânimes de países civilizados.

Comentários

Este Putin tem que levar uma lição... Então, é o dinheiro que manda ou andamos todos a fingir que sim?
Manuel Galvão disse…
O rei saudita, que não é parvo, vai responder que sim, que deixa construir uma igreja ortodoxa que seja tão grande quanto a mesquita de Moscovo,isto é, 1 tonelada de materiais de construção por cada crente naquela religião a residir no país em que é construído o templo...
e-pá! disse…
O problema não se resume a questões de reciprocidade. Melhor seria cultivar a 'não ingerência' como garantia de liberdade (religiosa).
Na realidade, os Estados deveriam abster-se de interferir - ou tomar posição - nas convicções religiosas dos seus cidadãos.
Os crentes deveriam suportar diretamente os prosélitos encargos de expansão da 'fé' a expensas próprias, isto é, sem disfrutar de qualquer apoio - ou rejeição - estatal.

A hipotética questão entre a Rússia e a Arábia Saudita não é uma situação inaudita e isolada.
Por cá, no ambiente paroquial que desfrutamos, há relativamente poucos anos, assistimos a uma quezília política alimentada pelo bispo de Bragança e tecida à volta da construção de uma nova Sé. A 'solução' que foi encontrada está longe de ter sido exemplar, nomeadamente, no contexto de uma propalada laicidade do Estado.

A 'Paz de Vestefália' - que tão dramaticamente influenciou a correlação de forças no Ocidente - não chegou a todo o lado (nomeadamente ao Oriente - próximo, médio ou extremo) e, passados alguns séculos, ainda está a fazer o seu doloroso e penoso percurso...
E-Pá:

O que se verifica é o patrocínio das mesquitas pelas teocracias árabes, em especial pela Arábia Saudita. Não são locais de oração apenas, são sítios mal frequentados por doutrinadores radicais do islamismo político, com a tolerância dos Estados democráticos.

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