Sobre os independentes e outros caciques

Nos negros tempos do salazarismo, ouvi dizer ao ministro do Interior, ao que decidiu ou transmitiu a ordem para assassinar Humberto Delgado, que não era um político. Salazar mandava, e ele obedecia. O crápula morreu de velho, e vil, com choruda aposentadoria.

Hoje, recupera-se o chavão de apolítico como atestado de isenção, como passaporte para a honradez cívica e diploma para a brancura ética, por mais sórdida que seja a ambição e mais ínvio o caminho para a concretizar. Os autores sabem que, no fundo, a ruína dos partidos é o caminho mais fácil para passear a demagogia e acordar o salazarismo que a Revolução de Abril apenas fez hibernar.

Não confundo os independentes que se comprometem sob a bandeira de um partido nem os grupos de cidadãos, facilmente identificáveis partidariamente, que disputam eleições. Refiro-me aos rejeitados pelos partidos, que passam a independentes; aos regressados do exílio do poder a que, após 3 mandatos, não puderam concorrer, aos que, por falta de apoio partidário, passam a independentes, e, sobretudo, aos que escondem a ideologia.

Não há ética republicana que se compadeça com o regresso de caciques condenados em tribunal e que os partidos, por vergonha ou medo de penalização nacional, recusaram. É uma vergonha o regresso de ex-presidentes de Câmara que, após 3 mandatos, aceitaram ser vereadores durante um mandato e agora exigem a liderança que a lei, para evitar que se perpetuassem as teias de interesses, interrompeu.

Os partidos políticos são as únicas estruturas escrutináveis pelo voto de eleitores, a nível nacional. É por isso que defendo os partidos contra os bandos organizados ad hoc para a conquista do poder e dos empregos. Os caciques “apartidários” não são melhores do que os partidários, ainda que nem uns nem outros sejam toleráveis.

Não estando ligado a qualquer partido, sou um político civicamente empenhado. Nunca serei independente nem contribuirei para que o poder partidário se dilua no oportunismo de caciques locais ou na dissimulação de quem recusa o enquadramento partidário para o exercício de funções políticas.

Quando os partidos não correspondem aos interesses dos eleitores outros aparecem. Só a sua ausência é difícil de preencher, não a sua substituição.

Do Porto a Oeiras há uma cáfila de independentes que desprezo.

Comentários

e-pá! disse…
Nesta questão dos 'independentes' interessaria ir além do rótulo e clarificar as posições.
'Indenpendentes' em relação a quê?
É sabido que a maioria dos cidadãos não milita em partidos políticos. Mas todos acabamos por tomar 'partido' à volta dos problemas que afligem as sociedades e juntamo-nos para concretizar as soluções que desejamos.
O facto - real - de algumas organizações partidárias terem sido colonizadas por interesses menos claros e desvirtuadas nos propósitos e acções não deve criar mecanicamente anátemas em relação à associação dos cidadãos a volta de ideias ou de ideais.
É este 'associativismo' (ideológico) que está na génese e no cerne da intervenção política cidadã. Os partidos políticos são o instrumento (democrático) desta intervenção mas nunca serão o meio exclusivo para a participação cívica na vida pública (social, financeira, económica e cultural).
A postura política dos cidadãos - presente em todos os gestos humanos - está intimamente ligada às actividades cidadãs que queremos e devemos desenvolver num quadro de liberdade.
O que é bom para a água não é necessariamente adequado para a praxis política, isto é, o insípido, o incolor e o inodoro - aquilo que nem é carne, nem peixe - não passa, muitas vezes, de um lamentável disfarce.
Ninguém consegue impôr-se como capacitado e eficaz para resolver problemas colectivos, isto é, públicos, enfatizando o papel e a vivência de 'lobo solitário', enjaulado em teias individualistas e à margem de contextos associativos que sempre funcionaram como agregadores das pessoas e das vontades (tenham a designação que tiverem). A 'geração espontânea' na política é muito suspeita.
Logo, é justo suspeitar que a 'independência' alardeada por alguns seja uma representação mitológica e, acime de tudo, muito pouco transparente.
Unknown disse…
Eu também não gosto de partidos apartidários.
Mas a gestão autárquica funciona de uma forma parecida com a gestão de condomínios; o que as pessoas desejam é que os gestores cuidem bem dos espaços comuns, aonde os residentes circulam diariamente, e os partidos políticos não podem ter políticas autárquicas que se adaptem às realidades de todos os municípios. Por isso as pessoas votam em quem já demonstrou saber responder às necessidades do seu condomínio...
Julio disse…
"Os autores sabem que, no fundo, a ruína dos partidos é o caminho mais fácil para passear a demagogia e acordar o salazarismo que a Revolução de Abril apenas fez hibernar."
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Não percebi [vivo no estrangeiro...]
Está o chamado "Salazarismo" do século passado a despertar do longo inverno - como urso esfomeado?...
É perigoso?
Júlio:

É verdade. O salazarismo já anda aí à solta. Há muitos primatas a afirmarem-se, sem pudor, salazaristas. Aliás, a direita pura e dura é já significativa embora não tenha ainda expressão parlamentar visível. Há apemas deputados dissimulados de democratas-cristãos ou social-democratas.
Julio disse…
Grato pela explicação.

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